Política

A nova síntese brasileira

“Quanto pior a lógica, mais interessantes as consequências do discurso”. Alguns associariam essa frase à forma docemente atraente pela qual alguns políticos brasileiros constroem suas narrativas. Mas a frase retrata, na origem, um conhecido aforismo de Bertrand Russel sobre as ideias filosóficas de Friedrich Hegel.

Críticas filosóficas à parte, é razoável admitir que a contraposição Hegeliana da antítese à tese, gerando uma síntese, pode ser um artifício didático para a visualização de evoluções históricas. O expediente pode se aplicar, por exemplo, com diferentes interpretações, ao Brasil pós 1964.

Em uma delas, a Nova República brasileira, caracterizada pela abertura política que se consolidou em 1985 e pela Constituição de 1988, é visualizada como uma síntese. O período de governos militares seria a tese. E, as dificuldades de ordem política e econômica daí posteriormente advindas, a antítese.

Dando sequência ao próximo estágio do artifício Hegeliano, a Nova República se transforma na nova tese. E, o estágio atual de crise nacional múltipla, incluindo forte derrocada econômica, de costumes e geopolítica, passa a surgir como a nova antítese.

Resta saber qual será a nova síntese nacional, aquela que emergirá, em particular, dos resultados das eleições de 2018. Em espectros políticos opostos, observam-se duas candidaturas antípodas para a nova síntese.

De forma aproximada, pode-se dizer que a primeira candidatura tende a reproduzir as ideias que se observaram no Brasil entre 2002 e 2014.

A segunda candidatura à nova síntese traz novidades e requer análise. Faz uso, em particular, do recente resgate do termo “liberal” no Brasil. O adjetivo, até recentemente mais encontrado nas frases em português chulo, tem retornado à norma culta da língua. Surgem, de onde menos se esperaria, novas usinas de liberais.

A corrente, grosso modo, inspira-se na “democracia liberal” vislumbrada por Karl Popper em 1945. Ao contrário do que em geral se pensa, entretanto, o grande desafio reformista desta visão não se encontra em colocar o Brasil na rota do liberalismo. Mas sim, antes disso, em colocar o país na rota de uma real democracia representativa. Caso contrário corre-se o risco de somente trazer de volta ao cenário nacional seu surrado “liberalismo viúva Porcina”, aquele que foi sem nunca ter sido.

Como encaixar as ideias de sociedade aberta de Henri Bergson e Karl Popper na necessidade do novo presidente de negociar planos de governo com um Congresso que congregará novamente algo em torno de 35 partidos políticos? A eleição é para eleger um novo presidente ou um novo refém? Será viável mudarem-se os instrumentos de persuasão política?

Há outra dificuldade. Comunidades onde o Estado não entra, como se observam em abundância no Brasil, são a antítese da sociedade aberta de Popper. São sociedades por definição fechadas, onde a posse da arma dita a lei, julga a conduta e impõe o catecismo.

São ilhas que rompem a noção Weberiana do Estado nacional como o monopólio da violência consentida. Sai o monopólio e entra o oligopólio da violência consentida. Inusitado, ineficiente e belicista. A existência de Comunidades Estado passa a impressão que o texto constitucional é exigente em demasia para caber com naturalidade e leveza em todo o território nacional.

Por esses e outros motivos, o contexto nacional se distingue dos textos clássicos da ciência política. Os votos determinados por temas únicos (honestidade individual ou segurança pública, por exemplo) passam se apoderar radical e ineficientemente do espectro decisório.

Os indivíduos passam a decidir com base em dissociações insólitas nas quais alguns ficam com os deveres e outros com os direitos. De forma natural, o primeiro grupo vota por menos deveres e o segundo por mais direitos.
Aconta não fecha. O resultado que emerge é o de uma “democracia de dissociação”. Bem distinto daquele que emergiria caso todos compartilhassem, individualmente, os mesmos direitos e deveres.

Da forma atual, a representação política nacional tem o potencial de se transformar em guilhotina de visões políticas. Ceifou parte da esquerda. Da mesma forma, poderá ceifar parte da direita, se eleita. Vantagem talvez para o Centro, que pode sempre se apresentar como um animal de duas cabeças. (Blog do Noblat)

Rubens Penha Cysne é professor da FGV EPGE

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *