Mais do que equívoco
Era uma política equivocada, que acabou levando o país à crise que estamos vivendo. Após a última semana ficou claro que era mais do que isso. A política dos governos do PT, de favorecer alguns grupos e empresas com redução de impostos ou concentração de empréstimos subsidiados, e a escolha por grandes hidrelétricas na Amazônia, com a redução dos custos e riscos das empreiteiras, eram mais do que equívocos.
Os governos petistas defendiam uma tese que reproduzia o pensamento econômico dos governos militares: os grandes grupos deveriam ter vantagens e apoio do Estado para se tornarem ainda maiores e liderarem o processo de consolidação do capitalismo e se tornarem grandes multinacionais brasileiras. Consolidação é como o mercado define o processo de concentração em que empresas compram suas concorrentes e se tornam ainda mais fortes. Se passar do ponto se cria um oligopólio ou até monopólio. O único papel do governo, nesse caso, é impedir as práticas anticoncorrenciais através de uma boa regulação de defesa da concorrência. A política adotada nos últimos anos fazia o inverso do que se esperava do Estado e induzia à formação de um ambiente monopolista em vários setores.
Parecia distorção ideológica. Era muito pior. O governo estava vendendo nacos do orçamento público, pedaços da arrecadação em troca de favores, apoio político, dinheiro para enriquecimento pessoal e recobrindo tudo com um discurso do que eles chamavam de “desenvolvimentismo”.
A opção da dona da política energética, então ministra Dilma Rousseff, depois presidente, foi pela construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, como só ocorrera no governo militar. Havia vários problemas técnicos, energéticos, fiscais e ambientais nas hidrelétricas. As do Rio Madeira foram projetadas pela Odebrecht. Ela investiu R$ 50 milhões nos estudos de viabilidade, mas esperava recuperar esse investimento ganhando a concorrência de Santo Antônio e Jirau. Venceu a de Santo Antônio.
Os defeitos dos projetos foram levantados por especialistas de diversas áreas e foram refutados pelo governo. Um dos problemas era que as águas do Rio Madeira têm muito sedimento e isso reduz o tempo útil das usinas, até porque foram usadas em Santo Antônio as turbinas bulbo que só haviam sido testadas anteriormente no Rio Danúbio em projetos de pequeno porte. Não havia suficiente cautela ambiental, trabalhista e sanitária. Não havia sido projetado o canal de reprodução dos peixes. O custo seria maior do que estava sendo dito.
O governo ignorou todas as críticas. Lula ridicularizou a preocupação ambiental dizendo que por um “bagre” tentava-se impedir a construção de uma hidrelétrica. Para reduzir os custos das empreiteiras, o governo deu empréstimos baratos. O setor estatal da energia, através da Eletrobras, Chesf, Furnas, além dos fundos de pensão foram forçados a entrar na sociedade. Em Jirau, explodiram revoltas nos canteiros de obras, e tudo foi reprimido com o uso da Força Nacional. Ou seja, efetivos militares e recursos públicos eram mobilizados para resolver problemas trabalhistas de empreendimentos privados.
A usina de Belo Monte foi tão pior que, depois de um certo tempo, pouco se falou nas do Rio Madeira. Belo Monte atingiu o meio ambiente em grande escala e agrediu direitos indígenas. Hoje se sabe que cada uma, além da energia a qualquer custo, gerou também propinas de alta voltagem para os políticos. Havia alternativas mais baratas, mais limpas, mais modernas. Mas o governo optou pelas grandes barragens, achando que ao revolver a terra tudo seria escondido.
A Odebrecht não foi a única beneficiada pelas políticas muito mais do que equivocadas dos governos petistas. O “desenvolvimentismo” desenvolveu apenas os bolsos dos grandes empresários e dos políticos da base do governo. O país ficou com rombos no Orçamento pelos abatimentos em impostos, empréstimos subsidiados e obras mal projetadas. A política econômica que era vendida no Ministério da Fazenda, através de bilhetinhos com o preço, afundou o país na recessão, desordem fiscal, desemprego e ameaçou trazer a hiperinflação de volta. Pareciam escolhas ditadas pela distorção ideológica. E eram muito mais do que equívocos. (Blog da Miriam Leitão)