As polêmicas sobre o plano do governo que facilita venda de terras a estrangeiros
O governo Michel Temer está finalizando os planos para facilitar a venda de terras a estrangeiros no Brasil e atrair investimentos para o agronegócio.
A iniciativa é bem vista pelos ministérios da Agricultura, da Fazenda e das Relações Exteriores, mas desagrada setores das Forças Armadas, grupos sem-terra e algumas associações de agricultores, que dizem ver riscos à soberania nacional e temem uma redução na produção de alimentos.
O governo ainda não definiu os detalhes da proposta nem decidiu como ela será implantada. Alguns assessores defendem a edição de uma medida provisória, que dependeria só de uma assinatura do presidente Michel Temer para entrar em vigor.
Nos últimos dias, associações rurais foram chamadas a Brasília para tratar do assunto. No meio de fevereiro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o tema seria resolvido em 30 dias.
Mas parlamentares e grupos de agricultores pressionam para que os planos sejam discutidos e votados pelo Congresso. Já existe uma proposta legislativa sobre o tema, que tramita em regime de urgência e está pronta para ser apreciada pelos parlamentares.
O Projeto de Lei 4059 acaba com as restrições atuais à compra de terras por Pessoas Jurídicas brasileiras com capital estrangeiro.
Hoje Pessoas Físicas estrangeiras ou Pessoas Jurídicas com capital estrangeiro podem comprar no máximo 15 módulos rurais no Brasil. O tamanho de um módulo rural varia em cada município, podendo ir de 5 a 100 hectares.
Estrangeiros tampouco podem deter mais de um quarto das terras de cada município, o que, em tese, impossibilita que ocupem mais que 25% do território nacional.
Flexibilização
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é favorável à flexibilização das regras para a compra de terras por estrangeiros, mas apenas para as chamadas culturas perenes (que exigem investimentos de médio ou longo prazo), como café, cana, eucalipto e laranja.
Maggi defende a manutenção das restrições para as culturas anuais, como soja e milho.
Em entrevista recente a O Estado de S.Paulo, ele disse que fundos estrangeiros dedicados a culturas anuais podem resolver não plantar caso os preços dos produtos estejam baixos.
“Isso seria um caos para a economia, para os municípios, para os transportes, para todo mundo”, afirmou. Já as culturas perenes estariam imunes a esse risco, segundo ele.
Presidente da associação nacional dos produtores de soja (Aprosoja), Marcos da Rosa concorda com a manutenção das restrições a estrangeiros nas culturas anuais.
Ele critica a urgência com que o governo tem tratado o tema e defende que a proposta passe pelo Congresso. “Tem havido um atropelo pelo Executivo.”
Membro da bancada ruralista e um dos principais defensores da flexibilização das regras, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) diz que a proposta poderá mudar para atender pedidos de alguns grupos.
Heinze afirma que a aprovação do tema foi uma das condições que a bancada ruralista apresentou ao então deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para apoiá-lo na eleição para a presidência da Câmara, em 2015. Outra condição foi a “solução da questão indígena”, segundo o deputado.
Para Heinze, a flexibilização das regras favorecerá especialmente o setor florestal (indústrias que utilizam madeira e seus subprodutos, como a de papel e celulose).
Hoje empresas estrangeiras que atuam nessa área têm de comprar de fornecedores locais, mas muitas delas gostariam de ter suas próprias plantações.
“O Brasil não tem capital suficiente para fazer os investimentos nesse setor, que levam 20 ou 30 anos para dar retorno.”
Um Alagoas estrangeiro
Hoje, segundo dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) enviados à BBC Brasil, estrangeiros possuem 2,8 milhões de hectares de terras no Brasil, uma área um pouco maior que a do Estado de Alagoas e equivalente a 4,5% das áreas agricultáveis do país.
Os grupos com mais terras no Brasil são os portugueses (702 mil hectares), japoneses (362 mil), libaneses (281 mil), italianos (173 mil), espanhóis (106 mil) e alemães (94 mil).
Para Elisa Pinheiro de Freitas, professora de geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em Corumbá, é provável que o total de terras em posse de estrangeiros seja bem maior.
“Partimos do pressuposto de que há laranjas: as terras ficam em nome de pessoas brasileiras, mas quem está por trás do capital é estrangeiro”, ela diz à BBC Brasil.
Freitas afirma que aliviar as restrições à participação de estrangeiros na agricultura brasileira “pode causar um descontrole da quantidade de terras que passem a produzir apenas commodities voltadas ao mercado global, como etanol e soja”.
Para a pesquisadora, o avanço dos estrangeiros reduziria o espaço da agricultura familiar – responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos no país, segundo o governo.
Ela diz acreditar ainda que a expansão da soja e da cana empurraria cada vez mais a pecuária para a Amazônia, processo já em curso e que acentuaria o desmatamento.
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição diz que a liberação da venda de terras a estrangeiros reduziria as áreas que podem ser usadas para a reforma agrária.
Ele afirma ainda que o projeto poria em xeque a soberania nacional, argumento também usado por militares contrários ao projeto.
Em audiência na Câmara em julho, um representante do Ministério da Defesa criticou a proposta de acabar com as restrições à compra de terras por pessoas jurídicas brasileiras com capital estrangeiro.
“Em síntese, esse dispositivo retira do Estado a prerrogativa de monitoramento e controle sobre aquisições indiretas de terras por estrangeiros”, disse o capitão-de-mar-e-guerra Paulo Cezar Brandão.
Atento à convergência, o MST propõe uma inusitada aliança entre “as Forças Armadas e os movimentos sociais para defender o território nacional” e impedir que o Brasil “seja entregue a estrangeiros”.(BBC)