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108 dias de Dilma longe do poder

Presidente afastada Dilma Rousseff, dia 14/06/2016
Durante os 108 dias em que a presidente Dilma Rousseff esteve afastada do poder, ela fez de tudo para tentar neutralizar erros do passado. Se antes ela era considerada por opositores (e alguns aliados) como uma presidente inacessível e autoritária, no tempo em que ficou longe do exercício de seu cargo, a petista se esforçou para tentar mudar essa imagem frente à opinião pública.
Afinal, foi exatamente essa tendência ao isolamento e à centralização que colocou o governo Dilma na rota da crise. Para reverter esse quadro político, a estratégia da presidente foi tentar se reaproximar de parlamentares e de sua base eleitoral — tática visível já nas semanas que antecederam a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados.
No dia 12 de maio de 2016, quando foi afastada, o esforço ficou mais evidente. Dilma saiu pela porta principal (e simples) do Palácio do Planalto, no térreo, sem usar a pomposa rampa, e foi direto aos braços da multidão de manifestantes que se deslocaram ao Plano Piloto para prestar apoio a ela. Esse era mais um sinal de que iria buscar forças nas massas. 
Sem os canais oficiais de governo, as redes sociais viraram seus palanques para os pronunciamentos. Neles, a narrativa do impeachment como um golpe virou o principal tema.
Ex-ministros foram chamados para participar de sessões no Facebook ao lado de Dilma para explicar os avanços de suas pastas e criticar as medidas do governo provisório, eventos foram transmitidos ao vivo e ataques ao presidente interino, Michel Temer, foram recorrentes. No total, foram 130 posts na rede social só no primeiro mês de afastamento.
Mas sua atuação não se resumiu às redes sociais. Dilma viajou pelo país para participar de atos em defesa de seu governo. Quando a Casa Civil de Temer limitou o número das viagens com aviões da Força Aérea Brasileira, ela garantiu que iria rodar o país. E fez cumprir sua promessa. Um grupo de amigas da presidente afastada criou uma campanha online para arrecadar recursos para suas viagens. Com apoio de 11 mil pessoas, a vaquinha virtual angariou mais de 800 mil reais para Dilma viajar — quase o dobro da meta inicial.
Faltando uma semana para o julgamento final, a petista lançou sua última arma para retomar o cargo: uma carta endereçada aos senadores e ao povo brasileiro, no dia 16 de junho. No texto, Dilma defendeu temas com elevada adesão popular, como a criação de um plebiscito sobre novas eleições e reforma política.
No entanto, esse último suspiro veio no momento errado: a uma semana do julgamento final e no meio das Olimpíadas. “Não teve repercussão pública e não se tornou um fato político porque foi fora de hora”, afirma Aldo Fornazieri, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
O atraso para reagir com agilidade aos momentos de crise sempre foi uma tônica do governo Dilma. No período do afastamento, tal dissonância se tornou mais crítica. “O período em que ficou afastada foi um pouco improdutivo porque ela não mostrou que seu retorno seria necessário para mudar os rumos do país e, com isso, não conseguiu ressuscitar a confiança na sociedade”, diz Fornazieri.
O cientista político Milton Lahuerta, que coordena o Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), concorda.
“Esse movimento de reaproximação acabou sendo mais no sentido de manter o bloco petista ou próximo ao PT minimamente unido do que qualquer possibilidade de interlocução com setores que já a viam com maus olhos”, afirma. “Começar a se movimentar depois do afastamento é inócuo. Quando muito serve, é para manter a tropa unida”.
Repetição de erros
Com falta de talento para articulação política, Dilma desperdiçou todas as oportunidades que teve para reverter o quadro antes mesmo da abertura de um processo de impeachment., segundo Lahuerta. Por consequência, demorou para perceber os próprios erros e tomou medidas em descompasso com o ritmo do Congresso.
Para ele, a polarização da sociedade brasileira nas eleições de 2014 era um sinal claro de que Dilma tinha que traçar estratégias de negociação já nos primeiros dias de governo. “Mas, no primeiro momento, ela decidiu isolar Michel Temer e afastar Lula”, diz.
Em outro passo atrasado, Dilma optou por colocar o vice de lado e enfrentar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, diretamente “sem postos na mesa da Casa e sem nenhum controle nas comissões mais fundamentais”, diz o especialista.
“Ela chegou a terceirizar a negociação para Temer, mas todas as tentativas dele eram desautorizadas no dia seguinte. Quando ele saiu dessa função, o clima já estava fervendo”, afirma Lahuerta. Vale lembrar que o fim dessa aliança ficou pública após vazamento de uma carta do hoje presidente interino para a petista.
Para Lahuerta, uma boa estratégia para Dilma teria sido chamar ex-presidentes e importantes membros de partidos da posição e da base, como Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Luiz Inácio Lula da Silva, para discutir a crise antes do afastamento.
“A tese do plebiscito, por exemplo, deveria ter sido feita há um ano e meio atrás — e não agora. Poderia incluir o Michel Temer para essas conversas e criar um grande pacto nacional visando reformar o sistema político”, diz.
Próximos passos
Nesta segunda-feira, Dilma Rousseff deve apresentar seu discurso de defesa no Senado. As três palavras-chave do depoimento já são conhecidas: inocência, golpe e injustiça
Já trabalhando com um cenário negativo, o PT deve usar essa narrativa de Dilma para reforçar as próximas campanhas do partido. “Para o PT não serve mais a Dilma voltar porque essa versão (do golpe) vai se implantar para a história e o partido vai se recolocar na sociedade. Ela será jogada aos leões e os leões são ferozes”, afirmou.
De acordo com Aldo Fornazieri, essa mesma narrativa também será capaz de “salvar Dilma”. “O desfecho do julgamento já é esperado. Agora ela tem que bater na tecla que é inocente para salvar sua biografia. Como houve dúvidas sobre a legalidade do processo, especialmente no meio intelectual, a pergunta que fica é como a história vai contar esses fatos”, diz.
Só o tempo responderá a essa pergunta. Por enquanto, Dilma está pronta para contar a sua versão.(Exame)

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