Só conhece a quentura da panela é a colher
“Ninguém nunca planeja sua história pensando em vivê-la com dor. Na verdade, a dor é sempre uma intrusa na vida de qualquer pessoa. Ela aparece, irrita, apavora, faz com que se procure ajuda, é tratada e acaba, vai embora… Algumas vezes leva com ela todo o dinheiro que se tinha, mas vai embora.
Porém existe um grupo nada pequeno de indivíduos que vivencia a dor de forma completamente diferente. Para eles, a dor aparece, irrita, apavora, faz com que se procure ajuda, é tratada, (algumas vezes) melhora e fica e aumenta e faz com que se procure socorro, e fica, fica, fica. Simplesmente fica! Fica durante os dias úteis, nos fins de semana, dias santos, período de férias, festas familiares… Fica durante os dias e durante as noites, por vezes até mesmo nos sonhos (para os felizes que conseguem dormir). Fica nos meses quentes e ainda ganha mais força nos meses frios. Fica!
Então as pessoas que pertencem ao grupo dos comumente doloridos começam a se cansar. Cansar de sentir dores e, o que chega a ser pior, cansar de ter de provar para os outros (familiares, chefias, peritos, e, por mais incrível que pareça, médicos) que sentem dor. Cansados, os doloridos se isolam, trancam-se em suas casas em companhia apenas dessa intrusa mais irritante do que uma mosca em dia de verão.
Desse ponto em diante, fecha-se o diagnóstico: os doloridos estão deprimidos e tudo o que sentem é psicossomático. Estão doentes porque querem, porque não têm força de vontade para reagir, porque são fracos, se acovardam frente às dificuldades da vida. Entregaram-se e preferem se esconder atrás da dor a ter que enfrentá-la.
Simples assim! A vítima passa à vilã, a algoz vira esconderijo e os felizardos que têm o privilégio de não saber o que é dormir e acordar, rotineiramente, com dor assumem o papel de juiz. Pronto. Agora que tudo está resolvido, a história continua: O portador da dor crônica sofre diariamente, calado porque muitas vezes não tem forças nem para reclamar, enquanto que os demais sempre que sentem algum incômodo doloroso se irritam, se apavoram, procuram ajuda, se tratam, ficam novamente saudáveis.
Diz um ditado popular que só conhece a quentura da panela a colher que a está mexendo. A brilhante sabedoria popular se aplica ao tipo de sobrevivência dos que vivem com dor crônica. Só quem sofre na “quentura dessa panela” consegue entender o mau humor, a aparente tristeza e impaciência de seus companheiros.
Porém, não é preciso que você se torne um para que seja capaz de se solidarizar conosco. Basta que, no dia em que sentir uma dor chata e insistente, você imagine como seria sua vida se ela decidisse viver constantemente ao seu lado, como uma intrusa e insuportável companheira.
Não gostou de se imaginar nessa situação? Não tem problema, para você isso é só uma imaginação…” (Fernanda de Marins Garcia de Souza)