Crise sem racionamento
A recessão evitou o racionamento de energia e afastou o risco de apagões este ano. O consumo de eletricidade no país caiu 0,4% de janeiro a abril, com retração de 3,9% na indústria. Mas os reservatórios de água não se recuperaram. No Sudeste/Centro-Oeste, terminaram o mês de maio com 36% da capacidade, nível mais baixo em 14 anos. O setor está desequilibrado e é um dos gargalos para a recuperação.
Ninguém consegue estimar com clareza qual seria a situação energética caso a economia estivesse em pleno funcionamento. Pelo terceiro ano consecutivo, o consumo industrial está em retração no acumulado dos meses de janeiro a abril, segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Caiu 1,6% em 2013; 0,2% em 2014; e mais 3,9% este ano (vejam os gráficos). Sem a crise industrial, a relação entre oferta e demanda estaria ainda mais apertada.
Nas residências, está acontecendo uma forte desaceleração, com o tarifaço na conta. O índice oficial de inflação aponta alta nas tarifas de 38% de janeiro a abril. Com isso, o consumo, que cresceu 8,6% no mesmo período do ano passado, desacelerou para 1,4% este ano.
A consultoria PSR estima que o consumo total de energia em 2015 cairá 2% com a crise. Como o planejamento energético feito pelo setor estimava um aumento de 4%, haverá uma folga em torno de 6% entre a capacidade de geração e o consumo. Para o ano que vem, a conta dependerá do ciclo de chuvas, que começa em outubro, e do ritmo de recuperação da economia.
— A crise evitou o racionamento porque a recessão já fez a demanda cair. Ao mesmo tempo, o governo adotou um conjunto de ações para aumentar a oferta no curto prazo, como geração a diesel e gás por shoppings, importação de energia da Argentina e do Uruguai, reativação da termelétrica de Uruguaiana — disse Luiz Augusto Barroso, consultor da PSR.
Ou seja, caiu o consumo pela recessão, e cresceu a oferta de energia cara. O que mais chama atenção é que ainda assim o nível dos reservatórios não se recuperou. Água é a nossa poupança energética, porque significa que as hidrelétricas poderão ser acionadas. Enquanto entre 2004 e 2011 o nível dos reservatórios do Sudeste esteve sempre acima de 80% da capacidade em meses de maio, este ano, ficou em 36%.
A crise evitou o risco de curto prazo, mas sem recuperar o nível de água para as hidrelétricas será muito mais difícil voltar a crescer.
Hidrelétricas na bronca
Associações ligadas à geração hidrelétrica questionam a condução do setor pelo governo. Elas alegam que tiveram prejuízos porque os alertas de racionamento foram ignorados, principalmente em 2014, ano de eleição. Com isso, explica o consultor Adriano Pires, o estoque de água foi gasto, e elas têm ido ao mercado livre para honrar seus contratos, pagando mais caro. A Aneel avalia o caso, e há empresas indo à Justiça.
Rede inteligente: potencial e desafio
Levantamento da Accenture feito em 15 grandes economias mostra que China, Índia e Brasil são países com maiores potenciais de ganhos com smart grid, as redes inteligentes que dão eficiência ao setor elétrico. “Neste momento de despacho das térmicas no Brasil, redes inteligentes diminuiriam custos e perdas”, explica Guilherme Rocha, gerente sênior da consultoria. O problema é que os investimentos são elevados, e esses três países ainda focam em ampliar a geração. “Dificuldade é equilibrar o investimento sem sobrecarregar concessionárias e consumidores.”
DEPOIS DA CRISE. Nos EUA, desemprego de 5,5%; na zona do euro, 11,1%. A moeda comum virou uma camisa de força para os europeus.
(Blog Míriam Leitão)