Ajuste é o começo do caminho
Há muito o que ser feito para que o país volte a crescer de maneira sustentável. É essa a visão do ministro Joaquim Levy, que olha além das medidas do ajuste. Na conversa que tivemos na terça-feira, ele explicou que o país precisa criar mecanismo para que o setor privado financie a economia, o que não vai acontecer sem que o “convés do navio” esteja limpo. A limpeza, ou o ajuste, é apenas o começo da travessia.
A aprovação das medidas do ajuste é uma etapa inicial do trabalho para melhorar as contas públicas, explicou Levy. O processo começou com a correção dos preços relativos, fora de ordem, principalmente os das tarifas de energia. A situação das distribuidoras não poderia mais ser resolvida com paliativos.
A correção nos preços da energia fez a inflação subir, mas foi necessária. Ajudou, como as outras medidas do ajuste, a limpar o convés para a longa viagem que o país terá pela frente, nos próximos anos. Com essa imagem, Levy quis dizer que ainda há muito que ser feito para o país crescer de maneira sustentável.
O Brasil passa pelo fim de um ciclo, e não apenas por um problema eventual. O preço das commodities caiu fortemente. Nos últimos anos, a alta cotação de produtos que exportamos, como a soja e o minério de ferro, garantiu a entrada de recursos com uma intensidade que não vai se repetir. O país precisa aproveitar o momento para consertar os erros estruturais da economia.
Quando disse que “o dinheiro acabou”, Levy não falava apenas sobre os recursos do Orçamento. O problema é mais amplo. Mecanismos de financiamento do setor público chegaram ao limite.
O BNDES não receberá mais recursos do Tesouro, um exemplo de operação que não passa pelo Orçamento. Os investimentos de fundos estatais pararam de crescer. A poupança, que financia o setor imobiliário, vem sofrendo saques bilionários desde o início do ano.
Há um espaço aí que deve ser ocupado pelo setor privado. Mas ele não vai investir se o Brasil não melhorar sua situação fiscal. Ninguém quer correr risco com o país desarrumado.
Crescer de maneira sustentável passa por esse esforço inicial.
Começa a ganhar ressonância no governo, entretanto, uma visão equivocada de que basta um pequeno ajuste para resolver os problemas da economia. Querem abandonar o resto do trabalho para que o país volte a crescer no segundo semestre. Imagino que um governante fique tentado com essa possibilidade, querendo que a parte ruim passe logo. Mas, com tantos erros cometidos no primeiro mandato, o caminho até o crescimento sustentável não será um passeio.
É pouco provável que o país volte a crescer na segunda parte do ano. Mas é possível esperar que o segundo semestre seja melhor que o primeiro, que está sendo horrível. Sem construir as bases que vão sustentar o crescimento da economia, a recuperação seria apenas uma bolha, uma aceleração curta para em seguida se exigir da população mais sacrifícios.
Os políticos precisam entender que corrigir os erros de anos leva um pouco mais de tempo.
(Blog Míriam Leitão)