Reprodução assistida com ‘três pais’ avança na Grã-Bretanha
A Câmara dos Comuns da Grã-Bretanha aprovou nesta terça-feira uma técnica que utiliza material genético de três pessoas para gerar um embrião. O método de reprodução assistida, denominado de doação mitocondrial, tem como objetivo evitar a transmissão de doenças genéticas.
Os membros da Câmara dos Comuns puderam exercer o voto livre, sem se submeter à disciplina de seus partidos, por se tratar de um tema sensível, e o resultado foi 382 votos a favor e 128 contra. Se a lei passar também na Câmara dos Lordes, a Grã-Bretanha se tornará o primeiro Estado a legalizar a reprodução assistida com genes de três pessoas.
A técnica foi aprovada para casos em que a mãe tenha uma alteração mitocondrial que possa transmitir doenças ao filho, como cegueira, epilepsia, problemas mentais graves e fraqueza muscular. O método consiste em misturar o DNA mitocondrial de uma doadora saudável com o núcleo do óvulo da mãe, que contém o DNA comum e é responsável por nossas características físicas e a maior parte das condições de saúde.
Estima-se que doenças mitocondriais leves afetem uma a cada 200 crianças nascidas, e os casos mais severos, uma a cada 6 000. De acordo com Ciro Martinhago, geneticista especializado em medicina reprodutiva e diretor da Chromosome Medicina Genômica, esse número pode ser ainda maior, uma vez que o diagnóstico de doenças causadas por alterações nas mitocôndrias é difícil.
Herança genética — “Não é correto dizer que a criança vai ter duas mães, o DNA está quase todo no núcleo. É o mesmo que dizer isso de uma pessoa que passou por um transplante, por exemplo”, afirma Mayana Zatz, geneticista da Universidade de São Paulo. O DNA da mitocôndria corresponde a 0,02% dos genes de uma pessoa, enquanto os demais 99,8% são o DNA que está no núcleo das nossas células.
“Se formos pensar assim, nós já temos três tipos de DNA, da mitocôndria, do pai e da mãe”, concorda Martinhago. “A mitocôndria é como outro organismo na nossa célula, é quase independente, apenas produz energia.”
Brasil — Atualmente, as normas do Conselho Federal de Medicina não permitem a manipulação genética de embriões no Brasil, por isso essa técnica não pode ser realizada. Os especialistas relatam, porém, que métodos parecidos são aplicados sem controle, como a injeção de citoplasma de uma célula mais jovem no óvulo de mulheres mais velhas que querem engravidar.
“Espero que a decisão da Grã-Bretanha sirva como incentivo ao Brasil. Nós já temos a tecnologia para implantar esse procedimento por aqui, quando ele for permitido”, afirma Martinhago. Para Mayana, a decisão seria um passo importante para permitir que mulheres com doenças mitocondriais tenham filhos sem os riscos de problemas mais graves.
(Veja)