EconomiaSem categoria

Inflação a gosto

O IPCA a ser divulgado hoje vai manter a inflação em torno de 6,5% (como de fato ocorreu), mesmo com toda a ajuda que está sendo dada pelo grupo alimentação. A persistência do índice mostra que não basta sentar e esperar pela queda dos preços. Depois de doses fortes de juros, tudo o que se consegue é evitar o pior. Assim, ela fica no teto e, de vez em quando, acima desse limite.
O clima que reduziu o nível de água nos reservatórios manteve a produção de verduras e legumes e os preços de vários produtos caíram. O preço da soja está desabando no exterior e, se isso atrapalha a vida dos produtores e da balança comercial, para a inflação tem efeito positivo. Caíram também as cotações de milho e trigo porque a safra americana foi boa. Tudo isso ajudou o grupo alimentação a ficar bem comportado.
A decisão do Banco Central de manter os juros é fácil de entender, mesmo fora do contexto eleitoral. O nível de atividade está fraquíssimo. A economia não cresceu no primeiro semestre, o investimento cai a quatro trimestres, o consumo perde a força e a indústria está em recessão. Depois de ter elevado a taxa de juros por nove reuniões consecutivas, e com a economia estagnada, o BC aguarda que o efeito do aperto monetário acabe produzindo alguma redução da inflação. Mas o BC sozinho não pode fazer todo o trabalho.
Não foi a taxa de juros que derrubou o crescimento. No máximo, pode-se dizer que a política monetária ajudou a reduzir a aceleração inflacionária. O que diminuiu a taxa de crescimento foi a incerteza provocada por uma política econômica que achou que poderia reinventar a roda e a matriz macroeconômica, e só deu sinais contraditórios. A política energética bateu o último prego no caixão do crescimento de 2014. Sem informação concreta sobre como vai evoluir os preços da energia, muitos empresários deixaram de investir.
Outros preços podem ter ajudado a inflação a ficar, em agosto, entre 0,20% e 0,25%, no cálculo do professor Luiz Roberto Cunha. Ele acha que o efeito reverso da Copa, em alguns produtos e serviços, deve ter ajudado, ou seja, eles subiram muito antes da Copa e caíram em julho e agosto. Mas a energia, que no IPCA-15 havia subido fortemente pelos reajustes da Eletropaulo e Copel, deve continuar pressionando. A energia subiu muito este ano — com elevações de 20%, 30% ou mais — mas não é ainda o efeito do custo extra de 2014. A maior parte do impacto das confusões dos últimos meses será sentido em 2015 porque assim estabelece a regulação.
No fim do ano passado houve um choque agrícola e o governo aprovou um aumento da gasolina. Isso fez com que o número de dezembro chegasse a 0,92%.
— Em 2014, não se espera um novo choque agrícola e o governo deve aproveitar o espaço para corrigir os preços da gasolina e assim fortalecer a Petrobras. Isso reduziria um pouco a defasagem dos preços — diz Luiz Roberto Cunha.
O grande mistério em relação à inflação é por que ela permanece tão resistente no teto da meta, apesar da taxa de juros, do enfraquecimento da economia, da ajuda do grupo mais problemático, que são os alimentos, e até da repressão de preços administrados?
O governo deu sinais, por tempo demais, de que mirava não o centro, mas o teto da meta. A economia inteira passou a olhar para os 6,5% e não para os 4,5%. Isso impediu que a faixa de flutuação fizesse o efeito de amortecer os choques. O aumento do gasto público fez o resto. A deterioração dos indicadores fiscais, pelo uso abusivo de truques contábeis, aumentou a incerteza e a falta de confiança na política econômica.
A leniência com a inflação é um erro para não se cometer no próximo período presidencial, seja qual for o resultado da eleição. Em 2002, a taxa subiu pelo efeito da alta do dólar, afetado pelo temor de mudança na política econômica. Quando o ex-presidente Lula manteve as bases da política e engavetou o programa econômico redigido pelos seus economistas, o dólar cedeu e a inflação, também. Agora, o dólar está subindo menos, pela ação do Banco Central que há um ano entra fortemente no mercado. A tendência, em 2015, no entanto, será de alta da moeda americana por razões externas. Isso torna essa resistente inflação mais difícil de combater. Não será fácil corrigir os erros acumulados nos últimos anos.
Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *