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Reforma agrária proposta por Jango há 50 anos ainda não aconteceu

Reforma agrária: na lei ou na marra. O lema entoado por grupos de trabalhadores rurais no Brasil desde o fim dos anos 1950 dava o tom da urgência da divisão da terra no país às vésperas do golpe militar em 1964. Repetido até hoje durante as ocupações de fazendas feitas por grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o bordão mostra que a questão permanece.
Há 50 anos, no comício da Central, o presidente João Goulart anunciou que iniciaria o processo de reforma agrária em meio ao seu projeto das Reformas de Base. E foi além: assinou um decreto de desapropriação de terras localizadas às margens de rodovias, ferrovias e obras públicas.
“Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria”, discursou Jango.
Nos anos 1960, com cerca de 70% da população brasileira morando no campo, a medida atendia especialmente ao clamor das chamadas Ligas Camponesas, mas também alarmava diferentes setores tradicionais do país. De acordo com pesquisadores, o debate se tornou uma questão política desde que as leis trabalhistas beneficiaram os trabalhadores urbanos, mas não chegaram ao campo.
“As ligas se organizam em um momento em que nem se imagina que Jango iria ser presidente. Mas ele é o primeiro a propor e pensar uma política agrária”, explicou a pesquisadora Nashla Dahas, da Revista de História da Biblioteca Nacional. Durante o governo de Jango foram criados tanto o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, como a Superintendência de Política Agrária (Supra), em 1962, que tinha como objetivo pensar políticas agrárias.
O antropólogo pernambucano Anacleto Julião, 62 anos, era um menino de apenas 10 anos quando dividia o tempo do pai, o famoso advogado Francisco Julião, com diversos camponeses diariamente. Ele cresceu em meio ao orgulho de ver o pai aclamado especialmente pelos moradores próximos do engenho da Galileia, localidade perto da cidade de Vitória de Santo Antão, a 100 km do Recife, onde surgiu a primeira Liga Camponesa. Mas também com o medo constante dos capangas que rondavam sua casa. 
“Lembro que ele subia nas pedras para fazer o discurso. Eram centenas e centenas correndo para ver o deputado Julião. Eles jogavam flores quando ele passava. As Ligas foram um fator decisivo e incentivador da criação dos sindicatos rurais no Brasil”, contou Anacleto.
Não demorou muito para outras Ligas se espalharem pelo país. No Rio, a principal surgiu na região canavieira de Campos dos Goytacazes. Mas o anúncio de Jango sobre o início do projeto de reforma agrária precipitou a sua própria derrocada. “O decreto ainda tinha que passar no Congresso. A assinatura foi um ato simbólico para apenas marcar uma passagem, mas foi o suficiente para assustar os setores latifundiários”, afirma a pesquisadora Nashla Dahas. Francisco Julião, que era deputado federal, foi cassado e preso e depois se exilou no México. Morreu em 1999. O filho conta que líderes camponeses estimam que 1.400 integrantes das Ligas foram assassinados nos seis primeiros meses após o golpe militar por fazendeiros da região.
Apenas com o fim da ditadura e o surgimento do MST a questão voltou ao debate. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi criado em 1970. De lá até hoje, foram distribuídas terras a 1.288.444 famílias. Mas, segundo o MST, o total está longe da necessidade. Só no ano passado, foram 32 assassinatos. “A reforma agrária está parada porque o governo Dilma tem aliança com o agronegócio”, afirmou João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST.
Segundo o Incra, a presidenta Dilma Rousseff assentou nos três primeiros anos de governo 75.335 famílias. No mesmo período, Fernando Henrique Cardoso distribuiu lotes a 36.125; e Luiz Inácio Lula da Silva, a 245.062.
(O Dia)

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