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Não é má sorte

A inflação está alta a despeito dos juros e do baixo crescimento. A maior razão da resistência é a expectativa que se formou de que o governo Dilma aceita uma taxa mais alta. A energia deu esse nó por decisões atabalhoadas na gestão do setor. O país está ameaçado de rebaixamento pelo excesso de truques fiscais e aumento do endividamento. Nada do que está acontecendo é má sorte.
O país está numa conjuntura ruim por problemas criados pelo próprio governo. A inflação está sempre em torno de 6% desde o início do governo Dilma e em vários meses chegou a ficar acima do teto da meta. Pode ocorrer isso novamente este ano. Como um país que tem crescido em torno de 2%, em que o Banco Central acabou de elevar os juros oito vezes, pode ter uma inflação tão resistente? A resposta é que integrantes do governo frequentemente deram vários sinais de que aceitariam uma inflação mais alta, e as expectativas estacionaram em torno de 6%. Neste ponto, qualquer choque eleva a taxa para níveis que até superam o teto da meta.
O país fez um longo percurso até chegar ao grau de investimento. Isso tem um efeito concreto de reduzir o custo de capital das firmas e entes públicos que tomam recursos no exterior. Agora está com perspectiva negativa e discutindo que chances tem de escapar do rebaixamento. Mesmo se escaparmos, o Brasil é hoje um país sobre o qual se fala em evitar a queda e não em ter novas promoções.
Estar nessa situação já é uma perda em si. O Brasil chegou neste ponto por uma sucessão de erros de política econômica. Foram os truques contábeis usados para esconder a deterioração das contas públicas; foi a decisão de endividar o Tesouro para transferir recursos ao BNDES; foram as opções discutíveis de destinação dos recursos públicos. Não se inverte a tendência de melhora da classificação de risco de uma hora para outra. Equívocos reiterados levaram ao abalo na confiança em relação às perspectivas do país.
A energia não está nesse córner porque não choveu. O período chuvoso este ano está sendo particularmente seco, mas não foi esse o problema. Como o país aprendeu no racionamento do governo Fernando Henrique, em 2001, os erros nessa área cobram um custo altíssimo quando a temporada de chuvas é fraca. O governo Dilma só pode responsabilizar a falta de chuva pela crise se ela abonar o governo Fernando Henrique pela crise de 2001.
A conclusão correta é que ambos erraram. No governo Fernando Henrique faltou planejamento e previsão dos riscos que o país corria. Bastou um bom ano de crescimento em 2000 e um verão sem chuvas para haver o apagão. O mérito daquele governo foi a boa gestão da crise pelo ministro Pedro Parente e que levou ao modelo de ter térmicas como garantia.
De lá para cá, o país poderia ter substituído essa estratégia, muito dependente de energia fóssil, por outra de baixo carbono e mais moderna. O governo ignorou fontes como a solar — mesmo sendo o país com maior potencial de energia fotovoltaica do planeta — argumentando que era energia cara; não faz linhas de transmissão de eólicas. E aceita incluir no sistema energia a óleo diesel que custa o dobro, polui, é velha e está abrindo um rombo nas contas externas.
O maior dos erros foi a Medida Provisória 579. A presidente Dilma determinou a antecipação do encerramento de concessões que venceriam em 2015. Vencendo na época certa haveria um potencial de redução do preço da energia, porque as hidrelétricas já teriam tido tempo de amortizar todo o custo e, portanto, teoricamente, poderiam fornecer energia mais barata. O governo viu nisso uma possibilidade de ganho imediato de uso eleitoral. Não se discutiu com o setor, e a MP caiu como um raio, daqueles que provocam a queda do sistema interligado.
Foi uma reação negativa em cadeia. As estatais federais tiveram custos altos, o governo teve que gastar em indenizações e, para piorar, a queda do preço foi decretada exatamente quando o custo estava subindo pelo uso das térmicas no começo do ano passado. As distribuidoras tiveram que pagar o custo extra e foram proibidas de repassar isso para as tarifas, como estava no contrato, e muitas não conseguiram comprar energia no leilão. Aí quando tudo já estava embolado pelas decisões equivocadas, vieram janeiro e fevereiro muito secos. A falta de chuva não criou a crise; apenas revelou os erros cometidos pelo governo(Míriam Leitão)

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