Volta à rotina

Se é verdade que os parlamentares procuraram nas últimas semanas mostrar-se em consonância com as ruas, agora, quando as manifestações já refluíram, volta-se ao tradicional e pernicioso hábito de legislar em causa própria.
Um grupo de trabalho multipartidário elaborou um projeto de lei que cria novas regras eleitorais, com o intuito de facilitar a vida dos candidatos. Para que possa valer em 2014, o projeto tem de ser aprovado até um ano antes do pleito, previsto para 5 de outubro.
Dentre as propostas, três chamam a atenção. A primeira delas acaba com os recibos para doadores de campanha. Pelas normas atuais, os registros são fornecidos às pessoas físicas ou jurídicas que financiam as campanhas e submetidos à apreciação da Justiça.
Relator do diploma, o deputado petista Cândido Vaccarezza (SP) alega que, sem recibos, a fiscalização será mais eficiente, pois poderá se basear nos registros eletrônicos das movimentações bancárias das diversas campanhas.
Se a intenção fosse realmente aprimorar o trabalho da Justiça, o deputado poderia ter ouvido especialistas –como a procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, para quem a iniciativa, na realidade, vai dificultar o cruzamento de dados.
O segundo tópico do projeto autoriza políticos com contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral a se candidatarem no próximo pleito. O tema está em debate no Judiciário. Em 2012, pressões de partidos levaram o Tribunal Superior Eleitoral a rever decisões que vetavam postulantes com contas irregulares.
A lei eleitoral impõe aos candidatos, como pré-requisito, a “apresentação das contas” –mas não diz de modo explícito, embora seja óbvio, que elas precisariam ter sido aprovadas.
A Procuradoria Geral da República considerou que o TSE ateve-se a uma interpretação literal da norma e questionou a decisão no Supremo Tribunal Federal. Os congressistas tentam se antecipar ao desenlace, autorizando candidaturas com contas recusadas.
Por fim, o terceiro ponto é o que permitiria pagar multas por infrações eleitorais com recursos provenientes do Fundo Partidário. É um escárnio pleitear o uso de dinheiro do contribuinte, repassado a este fundo, para quitar sanções por violação à lei.
Vê-se que a temporada de protestos pode ter surtido algum efeito, mas não a ponto de evitar que parlamentares logo voltassem a se debruçar sobre as pautas que realmente lhes parecem “positivas”.(Folha)