É sempre uma questão eleitoral
A presidente Dilma Rousseff, seu entorno, seu mentor e seus aliados ficam irritados quando se diz que a locomotiva que está movendo seu governo desde sempre, mas principalmente depois do lançamento extraoficial de sua candidatura a mais quatro anos no Planalto, é a da reeleição. Almoça-se, janta-se e dorme-se urnas, em Brasília e adjacências. Nenhum passo é dado sem que a variável eleitoral seja ponderada.
Os exemplos estão aí, desde as agora periódicas aparições da presidente na televisão e o colar de “bondades” carinhosamente sacado nas burras do Tesouro. O mais recente – nunca se pode dizer o último – ocorreu há menos de dez dias, com o programa Minha Casa Melhor, posto no ar exatamente no momento em que a pesquisa do DataFolha indicava que a popularidade presidencial havia despencado oito pontos percentuais em três meses, de março para junho.
Com subsídios bancados pela “viúva”, a Caixa Econômica Federal terá R$ 18 bilhões de reais para financiar móveis e eletrodomésticos para quem já comprou ou for comprar imóveis pelo Minha Casa Minha Vida, no limite de até R$ 5 mil. Pode-se, no limite, ver algum mérito “social” na medida, mas como indicaram até insuspeitos analistas próximos do governo, o andar da carruagem não aconselhava, de modo algum, mais este incentivo ao consumo e novo rombo nos cascos da austeridade fiscal.
Tomada do mais puro sentimento de perplexidade diante das manifestações populares dos últimos dias e percebendo, com certo atraso, que o crescendo das multidões nas ruas e suas reivindicações poderiam afetar a imagem do governo federal, mais uma vez a presidente fez girar sua máquina reeleitoral.
Até segunda-feira o Palácio do Planalto olhava olimpicamente o ruído das ruas, como se nada fosse com ele. Não se moveu nem mesmo após a inesperada vaia que Dilma ouviu no Estádio Mané Garrincha. Tanto que limitou-se a soltar uma declaração protocolar, óbvia, por meio da ministra Helena Chagas, secretária da Comunicação Social, dizendo que nas democracias as manifestações são “legítimas”.
Porém, diante da constatação de que as cerca de 250 mil pessoas que foram às ruas em diversas capitais, incluindo o quintal federal em Brasília, não estavam mais apenas motivadas a protestar contra as passagens dos ônibus , tendo uma pauta mais ampla de queixas – que pode ser resumida na condenação ao modo de ser e de fazer do mundo da política e da burocracia nacional – Dilma mudou de atitude.
Em cerimônia para anunciar o envio do projeto do novo Código de Mineração ao Congresso ela incluiu um “caco” no discurso para, em resumo, se congratular com as manifestações, que fizeram, segundo sua imagem, o Brasil nascer melhor naquele dia. Nesse ínterim, o País continuava fervendo na política, com prefeitos e governadores atarantados com a população nos seus calcanhares e o dólar na montanha russa, sinal de que o lado dos números também inspira muito cuidados.
Isso posto, o que fez a presidente Dilma? Em lugar de retornar aos pagos palacianos e botar os seus auxiliares para se mover e tentar equacionar os problemas, questões de governo e até de Estado, aboletou-se no avião presidencial e veio para São Paulo aconselhar-se com seu criador político, coisa que faz sempre que marolas rondam Brasília. Aqui também entende-se a necessidade da presidente em usar o ombro de Lula, mais experiente do que ela e, afinal, o fiador de sua ascensão.
Mas quem a presidente reuniu? Estavam lá seu “papagaio de pirata” predileto, ministro da Educação nas horas em que não está acompanhando a presidente, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, e o marqueteiro oficial João Santana, também conhecido como 40º ministro, na pasta Informação de Assuntos de Propaganda.
É esta a base do comitê reeleitoral de Dilma. E não era nem preciso ser um renomado analista político para perceber que deste mato não sairia nenhuma solução técnica para a questão mais imediata: a exigência dos manifestantes de revogação dos aumentos das tarifas de ônibus.
A questão era obviamente outra: a influência que esses movimentos poderiam significar para os planos eleitorais da presidente e como fazer para encerrar o mais rapidamente possível o grito das ruas.
A solução foi a pressão direta sobre o prefeito Fernando Haddad, que também deve a Lula e Dilma a cadeira que ocupa em São Paulo, para revogar o aumento, estopim da insatisfação e explosão nas ruas, praças e avenidas paulistanas. Ao governador Geraldo Alckmin, do PSDB, também foi “sugerido” agir desta forma. A ordem, em nome do projeto eleitoral, era tirar imediatamente o bloco dos manifestantes da rua.
E dois constrangidos Alckmin e Haddad revogaram o irrevogável, menos de 24 horas depois de haverem sustentado que as contas do município e do Estado não aguentariam ficar sem o dinheiro do aumento dos coletivos. E eles o fizeram sem nenhuma explicação razoável, apenas deixando no ar uma ameaça, a de que terão de cortar investimentos para bancar o subsídio aos transportes – e nem ao menos, por delicadeza, aventaram a hipótese de cortar despesas de custeio e com propaganda, por exemplo. Note-se que por todo o Brasil está ocorrendo o mesmo.
Éa vitória de um movimento popular, um alerta aos nossos governantes, mas também um triste retrato da qualidade desses governantes e dos ditos representantes populares.
Não faz muito tempo a presidente Dilma, no Nordeste, disse num rasgo de sinceridade que numa eleição “se faz o diabo”. E pelas últimas amostras já está se fazendo. O que talvez os políticos ainda não se deram conta, porém, é que há outro diabo solto nas ruas – o despertar da opinião pública.