Vício em celular prejudica saúde mental e física de crianças
Instagram, WhatsApp, Netflix, Waze e Uber: é quase impossível imaginar um mundo sem tantos aparatos da tecnologia no próprio bolso. Da comunicação ao entretenimento, o mundo digital é quase tão presente quanto o mundo real para milhões de pessoas ao redor do planeta.
A tecnologia trouxe mudanças permanentes para toda a sociedade, e uma das faixas etárias mais afetadas por essa transformação digital foi a de crianças e adolescentes. “É cada vez mais fácil encontrar crianças que não sabem contar até dez, mas conseguem mandar mensagens de áudio pelo WhatsApp”, explica a educadora e psicóloga do colégio Athenas, Fabiana Melo.
A pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, ‘Crianças e Smartphones no Brasil’, ilustra essa nova realidade: 49% das crianças brasileiras de 0 a 10 anos já possuem um aparelho celular próprio.
A porcentagem cresce conforme a idade: dos 7 aos 9 anos, 59% já têm o aparelho, e dos 10 aos 12, 79% possuem um smartphone particular.
“É inegável que o celular traz, sim, benefícios para as crianças”, reflete Fabiana. A psicóloga explica que, com o aparelho, é possível garantir medidas de segurança, apurar a localização e ensinar sobre tecnologia para os pequenos. “Os jovens precisam saber lidar com essas novas realidades e o celular é uma delas”.
No entanto, esses benefícios raramente são explorados pelos pais, que costumam não verificar o conteúdo consumido pelos filhos no aparelho. “Infelizmente, muitas crianças usam o celular sem supervisão, o que pode trazer muitas consequências tanto para a família quanto para a própria criança, como o vício”, retoma a educadora.
Seja pelo consumo de vídeos no YouTube, nos jogos online ou no constante uso das redes sociais, as crianças estão mais presentes do que nunca no mundo digital com o celular. O vício nessas atividades, contudo, traz diversos problemas para a saúde mental e física.
O uso excessivo do aparelho celular diminui o engajamento da criança em atividades necessárias para seu desenvolvimento, como brincadeiras ao ar livre, leitura, jogos e estudos.
De acordo com a mestre em Psicologia Positiva, Adriana Drulla, o uso também pode interferir na socialização com a família e amigos e impactar negativamente na quantidade e qualidade do sono dos mesmos.
“O cérebro da criança ainda está em desenvolvimento e para isso ela precisa brincar e interagir com pessoas de carne e osso. As habilidades socioemocionais não podem ser aprendidas no celular”, adverte a especialista.
Nos termos médicos, o vício em usar o celular é conhecido por nomofobia. Os pais devem se atentar a sinais que demonstrem que a criança está viciada em usar o aparelho, como dificuldades de socialização, queda de rendimento na escola, comportamentos irritados e imediatismo.
Além disso, crianças com vício no aparelho celular não conseguem se afastar do mesmo, trocando o dia pela noite na internet e se isolando para navegar nas redes. “Elas preferem ficar sozinhas com o celular ao invés de interagir. Optam sempre pelas telas ao invés da brincadeira no parque ao ar livre ou mesmo em casa com brinquedos educativos”, aponta Ana Cristina Gatti, coordenadora da educação infantil do Colégio Domus da Inspira Rede de Educadores.
“A comunicação que se estabelece [no celular] é só da tela para a criança, da criança para a tela. Não há resposta, não há interação. Nesta fase, o ser humano está com o cérebro em pleno desenvolvimento e, para tal, é preciso interação, estímulo, resposta, trocas afetivas e sensoriais”, afirma a pedagoga.
Sem muito contato com amigos, pais e familiares, essas crianças passam a confundir o real do digital, problema que pode levar a diversos transtornos psicológicos e problemas na saúde, como obesidade, problemas cardiovasculares, transtornos alimentares, ansiedade, depressão e estresse.
Com a pandemia, o número de horas que as crianças passam com dispositivos eletrônicos aumentou significativamente. De acordo com a empresa de tecnologia infantil, Super Awesome, as crianças estadunidenses de 6 a 12 anos ficaram ao menos 50% do tempo expostas às telas no isolamento.
É papel dos pais e responsáveis fiscalizar o tempo das crianças nas telas. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças até 2 anos não devem ter acesso às telas; de 2 a 5 anos, 1 hora por dia; dos 6 aos 10 anos, 2 horas por dia; e dos 11 aos 18 anos, 3 horas por dia.
“Eu recomendo que os pais estabeleçam um limite para o uso, mesmo que ele seja mais flexível. Também é importante que monitorem o conteúdo consumido já que as telas podem ser usadas para atividades criativas, por exemplo, em vez de serem usadas apenas para o consumo passivo de vídeos”, explica Adriana. !
Ao invés de usarem o celular, as crianças devem priorizar atividades que desenvolvam a coordenação motora e sensorial. Brincadeiras ao ar livre, jogos interativos, leitura e socialização são fatores essenciais para esse desenvolvimento.
“Brincar junto, cozinhar junto, até mesmo dividir outras tarefas de casa são exemplos de momentos agradáveis de interação. Construir junto com a criança cantinhos de brincadeira em que estejam disponíveis jogos de tabuleiro, jogos de montar, massinha, materiais de pintura e livros, também é um bom recurso”, diz a psicóloga.
A pedagoga Ana Cristina reforça que os pais também têm a responsabilidade no uso dos aparelhos. “A reeducação eletrônica também é necessária por parte dos pais, pois a questão envolve toda a família. “Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”, não educa”, finaliza.
(IG)