Regulação: A espera, o sofrimento e a dor de quem espera por uma vaga em hospitais
Quatro de novembro, dias inesquecíveis que ficarão gravados nos corações de uma família, moradores da localidade de Tairu, em Vera Cruz na Bahia.
Na madrugada de quarta para quinta dona Gidailda de Souza Menezes Matias deu entrada na UPA de Mar Grande com infarto. Seus filhos e netos passaram a acampar literalmente nessa UPA, dormindo nos carros, se alimentando precariamente, sofrendo pelos corredores, achando que a regulação não tardaria. Ledo engano! E Dona Gildailda, após o internamento, sofreu um AVC isquêmico.
Mal começava a saga dessa família onde mais de 47 pedidos de regulação foram registrados, amigos, e até mesmo desconhecidos lutavam por uma vaga em um hospital para salvar a vida da mãe de Gleice, conhecido na Ilha de Itaparica por Pastor Gleice do Cone Sul, mas não se conseguia a transferência de jeito nenhum, e o desespero por ver que dona Gildailda poderia vir a óbito, causava grandes angústias e comoções. Todos os amigos possíveis, os filhos e netos procuravam esperança em conseguir essa bendita regulação e não conseguiam.
O quadro clínico dela era desesperador com 68 anos, obesa, com uso de medicações regulares como metformina, lozartana, insulina regular, com queixa de crise hipertensiva, associada a fraco desconforto respiratório como consta em um dos relatórios médicos.
Como muitos políticos influentes passaram a ligar para essa família, dando a certeza de que conseguiriam essa regulação, os documentos necessários para que isso acontecesse começaram a serem espalhados, mas estranhamente ninguém conseguia uma vaga. Será que não existem UTIS suficientes em todos esses hospitais do Estado? Ou não se tem emprego de recursos suficientes para a melhoria da saúde pelos governos?
A família então resolveu pedir socorro a um promotor que de imediato tomou a causa e acionou a Defensoria Pública e todas as ferramentas jurídicas foram realizadas no intuito de pressionar o Estado a disponibilizar a vaga necessária, com uma tutela provisória de urgência de natureza antecipada em favor de dona Gildailda. Para a família a contagem era regressiva e a vida da mãe deles estava correndo risco. Então veio o processo judicial acionando o Estado, de nº 800485/09.2021.805.0124 ajuizado em benefício desta senhora, conforme relatório médico anexo ao mesmo, datado de 05.11.2021, assinado pelo médico , Dr. Joel da Cruz Carvalho Baraúna, Cremeb 28910, que muitos moradores denominam de “o anjo médico do município”, constando a necessidade de transferência , pois a paciente evoluiu para a sala vermelha e apesar de inserida na Central de Regulação Estadual com o código de regulação nº 3144193-43, desde 05/11/2021, a requerente ainda não havia sido transferida.
Vocês acham que com esse processo movido pela Defensoria Pública o Estado obedeceu e disponibilizou a vaga de imediato? Não! Não mesmo.
Embora tenha sido estipulada uma multa pelo descumprimento da medida no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por cada período de 24 (vinte e quatro) horas em que essa decisão não seja cumprida, bem como R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em caso de morte da parte beneficiária decorrente de eventual inadimplemento, além das sanções cíveis, administrativas e criminais que possam advir pelo descumprimento da medida, o Estado não cumpriu. E nessa ação também consta que a vaga deveria ser disponibilizada no público e caso não houvesse disponibilidade, poderia ser no privado também, mas o prazo de 24 horas chegou e a vaga não surgiu. Os sofrimentos de todos os familiares causavam dor até em quem não os conheciam. Mas o Estado disse não! Descumpriu o prazo estipulado, não disponibilizou a vaga ofertada pela regulação para desespero de todos.
E o que fazer diante desse impasse negado pelo Estado? Por que o Estado nega as vagas até mesmo tendo uma ação judicial? Está aí uma resposta, a quem possa interessar dar a população.
Algumas perguntas que também nunca querem calar:
Por que não se investe em saúde pública adequada no Brasil?
Teremos sempre somente a saúde de providência?
Que país é esse que para conseguir uma regulação você precisa ter conhecimentos ou então amargar na fila de espera?
Quantos já morreram sem conseguir essa regulação?
Quem amarga no desespero nessas esperas de regulação diz: Viva ao SUS?
Os médicos recebem os valores justos pelas consultas e procedimentos efetuados em seus pacientes?
Paralelo a essas inobservâncias do Estado, mais de mil ligações de políticos influentes foi feito para o Pastor Gleice, que no final não se viu influência alguma, afinal de contas ninguém conseguia uma vaga, segundo apurado, quando a justiça é acionada a tela trava, justificando o motivo de ninguém ter conseguido. Travando ou não a regulação não saiu nem para um hospital particular, e já estávamos no dia 7 de novembro com sua mãe correndo risco de morte.
Várias queixas foram ouvidas também por eles, pelo fato de que, como o Pastor se tornou uma pessoa pública, inclusive já foi candidato a vereador em Vera Cruz, adquirindo muitas amizades ao longo de sua trajetória na Ilha de Itaparica, esses mesmo que se diziam amigos, nem mesmo uma ligação para saber como o funcionário da prefeitura de Vera Cruz estava, se precisava de algo. E também chamou a atenção, pelo silêncio do Prefeito da Cidade, Marcus Vinicius e da Secretária de Saúde, Louise. Afinal de contas ele não era só o filho de dona Gildailda precisando de ajuda para a transferência da mãe, ele era o camarada de todos, e todos, cadê na hora da precisão? Essa foi uma de suas queixas, muitas vezes ele se sentiu só e abandonado e é nessa hora que a gente descobre onde estão os verdadeiros amigos. Concluiu.
Nós que acompanhamos essa saga percebemos o quanto tantos pacientes por esse Brasil afora tem necessidade de uma Regulação, de uma ajuda, mas não tem conhecimento, nem imaginam que podem pedir socorro a Defensoria Pública para conseguir internamento em leito de UTI com solicitação de transporte com UTI avançada como precisava dona Gildailda e também como muitos políticos procura ajudar no intuito de angariar votos em futuras eleições, afinal de contas a gratidão pode gerar inúmeros votos de quem é grato, mas a partir do momento que se entra na justiça, ninguém mais tem acesso a conseguir uma vaga, a menos que tenha leito com UTI em suas residências.
Cada dia que passava a família já começava a se sentir cada vez mais cansados, nervosos, já não conseguiam concatenar as ideias, as dormidas no carro já incomodavam o corpo. Márcia, a esposa de Gleice não suportou tanta pressão e foi parar na UBS do Cone Sul em uma dessas noites sofridas, mas foi medicada e voltou para casa.
Foi muita tensão que eles passaram e uma das queixas da filha de Gildailda, Giltania Menezes, foi que na UPA a mãe estava sempre bem assistida, mas a falta de diálogo, a falta de comunicação dos funcionários com a família do paciente ela achou pouca na UPA, comentando que somente o Dr. Joel e Dra Rubia vieram falar com a família o que estava ocorrendo e nos finais de semana não tem Assistente social para trazer o conforto e o apoio necessário com as informações, as dúvidas que eles tinham, ficavam um com o outro fazendo suposições do que poderia estar ocorrendo. Tristes dias.
Somente no dia 8, já no quinto dia, a Assistente Social Neilma Castro chamou a família e relatou o que estava acontecendo. Começou explicando que a partir do momento que a paciente entra na tela de regulação, toda busca de vaga é responsabilidade do Estado e o que eles, enquanto funcionários da UPA fazem? E explicou que a UPA tem Assistente Social de segunda à sexta. Sábado e domingo é a enfermeira quem faz esse papel. E em relação aos relatórios médicos da mãe deles, o dr. Joel havia deixado pronto antes de sair do plantão e o doutor preenche conforme o que visualiza no plantão dele e após ele ter deixado a UPA, o dr. Juan assumiu o plantão e fez a visita ao leito, fazendo depois as alterações conforme o quadro da paciente e se foi visualizado outras coisas no decorrer de seu plantão é acrescentado no relatório, e que inclusive ela estava usando máscara não reinalante, mas o dr. Juan retirou porque ela já estava tendo uma saturação boa sem precisar dela e reagindo bem só com o cateter. Neilma continuou falando que as Assistentes Sociais atualizam com o relatório e os resultados de exames de cada paciente internado, assim que um médico chega para seu plantão e elas vão atualizando o sistema. Afirma que as coletas são com resultados dos exames do dia. Os pacientes fazem os exames cedo, colhe logo e entrega imediatamente para poder saber tudo novo e qualquer outro exame que seja necessário fazer no decorrer do dia, elas abrem a tela novamente e lança atualizando sempre. Mas ela fala que infelizmente a vaga quem disponibiliza é o Estado e na primeira vez que ela saiu para falar com os filhos de Dona Gildailda, ela estava no telefone com a regulação, pois havia sido visto na tela que quatro hospitais compartilharam as vagas, aí começa, como ela diz: quando vai visualizar aí nega porque não tem vaga, nega porque não tem isso, nega porque não tem aquilo outro, nega, nega e nega… Mas todas essas negações para D. Gildailda é porque não tem vaga na UTI que é o que a paciente precisa, afirma. Então foi com essa explicação de Neilma que veio “cair a ficha” de todos os envolvidos nesse drama na saúde em Vera Cruz, dando para entender a frase: TEM A VAGA, MAS O ESTADO NEGOU. Como um olhar diferenciado, um chamamento para acalmar os familiares e amigos, modifica muita coisa, a empatia é imprescindível em qualquer setor.
Após esses aclaramentos feitos pela Assistente Social, o Pastor Gleice falou que em momento algum eles três, os filhos que viveram esse drama, disseram que a Unidade do Cone Sul foi negligente com sua mãe, senão estariam mentindo, pois quem pegou a mãe deles morrendo foi o Dr. Ismar, a Enfermeira Liliane e o socorrista Alex. Foram eles que levaram a mãe deles até aquela UPA e em nenhum momento houve falta de cuidados, só que a mãe chegou infartada e no dia seguinte sofreu um AVC, mas que todos sabem que o Estado é isso mesmo e eles tiveram que entrar com ação contra o Estado e pelo processo, se não houvesse vaga no público, a ordem judicial era para que a transferisse para um hospital privado e que o problema todo estava sendo esse, o descumprimento do Estado com essa ordem e que eles estavam nervosos por conta disso, o Estado tinha que se virar, pois a UPA não tem condições, não tem suporte para o quadro da mãe dele naquele momento e tanto tempo.
Todos saíram da sala após essas explicações com a Assistente e mais um caminho árduo esperava essa família em busca de uma vaga na regulação.
O irmão de Gleice, o Gleide Menezes já estava também em seu limite, sem condições de trabalhar, pedindo compaixão para que fosse entendido a necessidade de afastamento por esses dias de seu setor de trabalho, com raciocínio meio lento devido a essas emoções que vinha sofrendo, ao conversar comigo, sempre dizia que Deus tinha algum propósito nesse enredo todo e entre a angústia e a esperança, ele orava incessantemente para que Deus pudesse agir em favor de sua mãe, a fé nos homens a cada dia ia se esvaindo, mas que ele permanecia na fé.
A irmã, Giltania Menezes, nem fome sentia mais, a aflição era tanta que nem sorrisos para distrair os momentos tensos ela já não mais queria dar. O que realmente ela cogitava é que todo esse tormento passado por sua mãe e toda sua família tivesse fim, sua mãe fosse curada e pudesse voltar ao lar, aí sim, tudo estaria tranquilo.
Cinco dias se passaram e um pouco de felicidade e alívio veio para essa família: saiu à regulação.
A ambulância vinda de outra cidade chegou às 17:33 do dia 8/11/2021 e dona Gildailda, através da intimação de um processo judicial, conseguiu do Estado uma vaga no Hospital do Subúrbio.
Pastor Gleice, Menezes e Giltania que são seus filhos, bem como a Márcia, esposa do Gleice, finalmente levantaram acampamento da UPA de Mar Grande e foram para suas casas na esperança de que nenhuma sequela possa ficar em Dona Gildailda, não pela falta de cuidados na UPA, pois eles dizem que só tem a agradecer, mas pela falta de humanidade do Estado para com a saúde que dorme e acorda na UTI do descaso.
Em tempo, os filhos dessa guerreira que ao adentrar a UPA infartada, pediu ao médico para não deixar que ela morra, e prontamente ele disse que estava tentando. Disseram que o único problema que viram na UPA foi a falta de comunicação, somente dois médicos os chamaram para dizer o que estava ocorrendo e nos finais de semana não tem Assistente Social para fazer como Neilma, a Assistentes que os chamaram em uma sala e colocou a par do que estava acontecendo com a falta de regulação.
Fica aqui registrado essa triste história sobre a saúde na Bahia, onde se pinta um quadro, mas escondem a real situação. E ficamos na dúvida cruel de quando chegará o dia em que Estado e Município vão investir realmente na saúde. Hoje (9) na sessão da Câmara foi falado que se no município tivesse um leito com UTI esse sofrimento dessa família e nem outras passariam por essas disputas de vagas. Se investem mais em habitação, obras e outros setores, mas na saúde é sempre um valor menor. Por que será?
Uns dizem que em relação à cidade de Vera Cruz que antes era pior, mas ninguém quer saber do passado, quer saber do agora, e no momento presente o povo enxerga que a saúde está na unidade de tratamento intensivo, aguardando regulação como o povo, e o motivo do encaminhamento é o pedido aos políticos para que tenham respeito com muita dignidade voltada para a população que os elegeram, esperando que melhorem esse sistema rude, pondo fim a essas novelas intermináveis que é a busca pela Regulação.
Por: Sarita Rodrigues