MPBA lança plano de combate ao racismo institucional
“Não há como o Ministério Público efetivamente promover igualdade racial, promover uma justiça reparatória para o povo negro baiano sem antes fazer o dever de casa, olhar para dentro e enfrentar o racismo institucional”, é o que defende a promotora de Justiça Lívia Vaz, reconhecida como uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo pelo Mipad. Partindo desse entendimento, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) com a missão de elaborar um programa de enfrentamento ao racismo nos quadros do MPBA. O projeto pioneiro foi instituído justamente no dia em que o Estatuto da Igualdade Racial completou 10 anos, em 20 de julho de 2020, e será entregue à procuradora-geral de Justiça, Norma Cavalcanti.
Quantas pessoas negras compõem o Ministério Público baiano, onde elas estão, de que maneira a instituição pode promover uma abertura para a diversidade étnico-racial, como um programa de combate ao racismo institucional pode impactar na atuação finalística do MP no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial, entre outros questionamentos são os alicerces para a construção de propostas antirracistas a serem implementadas pelo GT no plano de ação, que está dividido em quatro eixos: gestão, formação, estrutura organizacional e recursos humanos.
Fazem parte do GT promotores e promotoras de Justiça, além de servidores e servidoras que integram a chefia de gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça; a coordenadoria e superintendência de Gestão Administrativa; a diretoria de Gestão de Pessoas; a coordenação do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf); a coordenação do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH); a coordenação do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhis); a Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb); o Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado da Bahia (Sindsemp); além de integrantes do Coletivo Maria Felipa, entidade antirracista autonôma e independente criada por servidores, colaboradores e estagiários que atuam no MP.
Lívia explica que a aposta está justamente na ampla diversidade e pluralidade de visões na composição do grupo, promovendo, assim, o debate e conscientização sobre a discriminação racial em suas mais diversas formas. “Nós sabemos que as instituições públicas e privadas no Brasil não refletem, sequer minimamente, a diversidade étnico-racial da população brasileira. Isso não é diferente no Sistema de Justiça, nem no Ministério Público brasileiro”, destaca.
Para ela, apesar da Bahia ser um dos estados mais negros do Brasil e Salvador ser conhecida como a cidade mais negra fora da África, essa negritude não está espelhada nas instituições. Há pouca representatividade, a população negra ainda enfrenta muitas barreiras para alcançar os espaços de poder. “Com certeza os frutos dessas medidas de combate ao racismo na instituição atravessam paredes, constroem pontes, e se colocam como um verdadeiro divisor de águas, inclusive, a inspirar outros Ministérios Públicos no Brasil”, conclui.
Uma luta incessante
Em 21 de março de 1960, milhares de pessoas saíram pelas ruas de Joanesburgo, na África do Sul, em protesto à Lei do Passe, que restringia os espaços de circulação da população negra. A política do regime de apartheid abriu fogo contra os manifestantes, deixando 69 mortos e 186 feridos. Em referência a esse triste acontecimento, foi instituído o Dia Internacional contra a Discriminação Racial pela Organização das Nações Unidas (ONU), celebrado no último domingo.
Seis décadas após o massacre em Joanesburgo, o racismo segue como um problema vigente, a todo tempo exibido nos noticiários. Em 2020, o MP, por meio do Grupo de Atuação Especial de Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), recebeu uma série de notícias de casos de discriminação racial, injúria racial, intolerância religiosa, racismo institucional, xenofobia, entre outros. Só pelo aplicativo ‘Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa’, foram 44 casos registrados. No ano passado, também chamou atenção um aumento de 250% no número de representações relativas a irregularidades na destinação e uso de cotas raciais. Ao todo, a instituição emitiu 23 recomendações, o maior número anual da história, que representa um crescimento de mais de 280% em relação a 2019.
O Ministério Público estadual já possui um histórico de luta pela igualdade racial. A instituição criou, em 1997, a primeira Promotoria de Justiça de combate ao racismo e intolerância religiosa do país, inspirando iniciativas semelhantes em outras unidades do Ministério Público brasileiro. Agora, o MPBA é novamente pioneiro com a implementação do plano de ação de combate ao racismo institucional, que será entregue à PGJ.
“Não há dúvidas de que de dentro pra fora essas ações antirracistas são fundamentais para a desconstrução do que nós chamamos de racismo estrutural. Quando falamos em racismo estrutural, entendemos que a questão racial é central na formação da nossa sociedade, na qual o racismo é a regra e não a exceção”, ressalta Lívia.
“O fato de reconhecermos que o racismo está estruturado, assentado em nossa sociedade, não pode ser pretexto para a sua naturalização e para a nossa omissão diante do racismo. Por isso mesmo é preciso, para além do discurso, adotar ações concretas antirracistas tão profundas quanto o próprio racismo”, complementa.
Canais de denúncia
Para fazer denúncias de racismo, injúria racial e intolerância religiosa, o cidadão pode entrar em contato com o MPBA por meio dos número telefônicos 3103 – 6437/ 6519/ 6409, ou encaminhar a denúncia para o email gedis@mpba.mp.br. Também é possível fazer denúncias pelo aplicativo ‘Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa’.
*Estagiária de jornalismo sob supervisão de Elane Varjão – MTB 5400/BA
Cecom/MP