Política

Artigo: mudamos o mundo

Por: Maria Marighella

“Não tem conversinha

Não tem blá blá blá

Se quer vir com caô,

Então entra na fila

Sou a dama do pagode e não passo pano, pra homem machista!

Se tá de roupa curta, deixa ela usar

Se tá no paredão, deixa dançar

Se ela quer beber, deixa embrasar

Se não quer respeitar, vaza!

Meu corpo, minhas regras, todas as mulheres merecem respeito…

Eu sento mesmo, eu rebolo mesmo, eu empino mesmo, chacoalho mesmo”

Este trecho da canção d’ A Dama do Pagode, de algum jeito, nos diz que o feminismo conseguiu uma das coisas mais difíceis em política: inventar um espaço comum em que uma multidão heterogênea de corpos, sujeitos, lutas, identidades e desejos pudessem contar-se à vontade e, deste modo, “confundir” a parte com o todo. Acho que talvez aí, nessa confusão, que não necessita de apelos à unidade para multiplicar-se, pular da conta das lutas de parte, e aparecer como uma luta de todas e todos, reside hoje a maior fortaleza dos feminismos. Como nos lembra bell hooks, o feminismo é para todo o mundo.

Além de multiplicar suas gramáticas, estéticas e formas de ação coletiva; além de acessar espaços tradicionalmente herméticos às suas linguagens, modos e sentidos; o feminismo está protagonizando uma ofensiva sensível. Eis sua principal ameaça. Tudo quanto é perceptível e, portanto, passível de ser apreendido pelos sentidos, tem hoje uma (des)estabilização feminista possível.

No entanto, como se manifestaram as feministas históricas, avant-garde de todos os tempos, ser livre é uma experiência subjetiva, mas também precisa se encarnar em direitos, de modo real, determinada pela conquista das condições materiais de existência. Não é livre quem vive com medo, sem tempo – essa outra subtração –, sob a dependência, violências extremas e a arbitrariedade de outros. Não é razoável que mulheres tenham se destacado como as grandes lideranças mundiais no combate à pandemia em que estamos e, ao mesmo tempo, sejamos as pessoas mais sobrecarregadas, interditadas e violadas. Essa conta que não fecha.

Assim, o feminismo não é uma identidade nem uma simples cena de enunciação, mas uma sensibilidade comum, múltipla e partilhável que permite imaginar outra organização social das formas de vida e encarnar outro modelo de sociedade. O feminismo não reivindica tomar o poder vigente, mas desarranjá-lo articulando outro poder, aqui e agora – presente de futuro. O poder que não traz em si capacidade de se multiplicar e, portanto, dividir, só pode se afirmar no autoritarismo, na interdição do outro e no aniquilamento do sujeito promotor de dissenso. Ainda que estejamos sob a ameaça do velho – que insiste em mostrar suas garras em cenas brutais e diárias – dias mulheres virão!

Maria Marighella é vereadora de Salvador pelo PT e integra as comissões de Cultura e Defesa dos Direitos da Mulher

(CMS)

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