Coronavírus deve cancelar o Carnaval e outros eventos que atraem multidões?
Praticamente todos os anos, as músicas mais tocadas no Carnaval da Bahia batizam as viroses que deixam lotados os postos de saúde, após os sete dias oficiais de folia.
Segundo especialistas, a grande aglomeração de pessoas num espaço restrito, junto com alimentação majoritariamente inadequada, desidratação e falta de sono, criam as condições ideais para o alastramento de doenças.
Poderia ser esse o caso do coronavírus? E mais: as autoridades deveriam cancelar o Carnaval neste ano como precaução — mesmo que, por enquanto, não tenha havido confirmação de infectados no Brasil? E outros eventos que atraem multidões como shows e jogos de futebol, também deveriam ser cancelados?
Essas são algumas das perguntas que muitos brasileiros vêm se fazendo nas últimas semanas de olho na folia, que vai até a Quarta-Feira de Cinzas (26/2) . Na China, uma das medidas para frear o surto que até a publicação desta reportagem tinha provocado a morte de 490 pessoas, foi o adiamento em todo o país de partidas de futebol e outros eventos esportivos.
A resposta que infectologistas ouvidos pela BBC News Brasil têm dado é que, até agora, nada justifica o cancelamento da folia, mas é preciso ficar atento ao avanço da doença, tanto no Brasil quanto nos países de onde sai a maioria dos turistas.
O surto do novo vírus que começou na cidade chinesa de Wuhan, gerou pânico ao redor do mundo. Até o momento, foram relatados casos de infecção pelo coronavírus em 25 países, com o total de contaminados chegando a 25 mil. Na semana passada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a doença como emergência de saúde pública global.
Na semana passada, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que não há “nada específico sobre o Carnaval”. Ele garantiu que portos e aeroportos serão monitorados e recomendou “lavar as mãos e evitar compartilhar objetos, como copo e talheres”.
Segundo o Ministério de Saúde, “no momento, não há comprovação que o novo coronavírus esteja circulando no Brasil, portanto não há precauções adicionais recomendadas para o público em geral”.
De acordo com a pasta, é “fake news” que o “Carnaval será porta de entrada para o novo coronavírus.
Nesta segunda-feira (3), o governo federal anunciou ter decretado situação de emergência, mas disse ter tomado a medida principalmente para lidar com os brasileiros que serão trazidos de Wuhan, epicentro do surto de coronavírus.
Sem decisões precipitadas
Segundo especialistas, qualquer decisão sobre o Carnaval vai depender não apenas da confirmação de casos suspeitos no país — são 13, por enquanto —, mas, principalmente, do alastramento da doença nos países de onde vêm mais turistas ao Brasil para a festa.
“Há uma aglomeração muito grande de pessoas e ao mesmo tempo um afluxo de diferentes localidades, tanto de turismo nacional, quanto internacional. Mas não sabemos qual vai ser esse impacto agora. Tudo vai depender de como a doença vai evoluir”, ressalva Alberto Chebabo, infectologista do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à BBC News Brasil.
Segundo o Ministério do Turismo, a maioria dos visitantes estrangeiros chega da Argentina, Estados Unidos, Paraguai, Chile, Uruguai, França e Alemanha. A China não está na lista.
Apenas para o Rio de Janeiro, cerca de 1,9 milhão de foliões são esperados. Cerca de 20% deles são estrangeiros.
Nas últimas semanas, países, como Estados Unidos e Austrália, fecharam a fronteiras a estrangeiros que estiveram recentemente na China. O Brasil ainda não tomou decisão a respeito.
Contágio e risco
O temor com o novo coronavírus, uma doença que afeta o trato respiratório superior, se deve à forma de contágio — e o alto risco associado a ela.
Segundo especialistas, o infectado pode transmitir a doença ainda no período de incubação (de 1 a 14 dias), ou seja, antes de apresentar os sintomas. Além disso, assim como uma gripe comum, o vírus é transmitido pelo ar — basta estar a uma distância de em média três metros para estar passível de contraí-lo.
Ele também é muito contagioso. Seu “número reprodutivo” (para quantas pessoas alguém infectado transmite a doença) varia de 2,2 e 3,3, dependendo da metodologia usada. Em comparação, a gripe comum é de 1,3.
Isso sem falar de que se trata de uma doença nova, sobre a qual se conhece muito pouco, e contra a qual a população não tem imunidade. Tampouco há vacina disponível — ainda que testes já tenham começado.
No caso do Carnaval, a grande aglomeração de pessoas num espaço reduzido, inclusive trocando abraços e beijos, acaba por facilitar o alastramento de qualquer doença.
Na Bahia, desde quando os primeiros afoxés surgiram na virada do século XIX para o XX, para relembrar as tradições culturais africanas, surtos como cólera, varíola e tuberculose pontuaram a festa pagã.
Nas últimas décadas, há uma preocupação constante das autoridades e dos profissionais de saúde durante o Carnaval para evitar a transmissão de doenças, com distribuição maciça de camisinhas e cartilhas informativas.
As principais são as chamadas IST, ou Infecções Sexualmente Transmissíveis, como sífilis, gonorreia, infecção pelo HIV e hepatites virais B e C.
Mas há também recomendações de higiene, hidratação e alimentação para evitar também outras doenças, como conjuntivite, mononucleose, herpes e gripe. Alimentar-se corretamente é importante também para impedir infecções intestinais, comuns nesse período do ano.
E as viroses? Em geral, esse termo é usado de modo genérico por profissionais de saúde para tratar de doenças que ainda não foram diagnosticadas por exames no paciente.
A maioria das viroses envolve infecções respiratórias, como os vírus da gripe e aqueles que causam resfriados. E são transmitidas quase sempre por tosses e espirros, capazes de espalhar gotículas com vírus por até 3 e 9 metros de distância, respectivamente. Mesmo a fala é capaz de espalhar doenças para pessoas a 1 metro de distância, por exemplo.
Grande eventos como disseminação de doença
Mas não é apenas no Carnaval que doenças se espalham.
“Todos os anos, é sabido que há um surto de meningite durante a peregrinação religiosa à Meca (cidade sagrada para os muçulmanos). No ano passado, estima-se que a cidade recebeu 1,7 milhão de estrangeiros. Por isso, recomenda-se tomar a vacina”, diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo.
Os especialistas também lembram que havia diferentes hipóteses de como o vírus da zika chegou ao Brasil.
Entre as hipóteses consideradas estava a de que o vírus teria entrado no Brasil durante a Copa do Mundo de 2014, trazido por turistas africanos. Outra era de que a introdução teria ocorrido durante o Campeonato Mundial de Canoagem, realizado em agosto de 2014 no Rio de Janeiro, que recebeu competidores de vários países do Pacífico afetados pelo vírus.
No final, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco traçou a rota de chegada do vírus zika, originário da Polinésia Francesa, ao Brasil. Os pesquisadores descobriram que antes ele migrou para a Oceania, depois para a Ilha de Páscoa — de onde foi para a região da América Central e Caribe — e só então chegou ao Brasil, no final de 2013.
Imigrantes ilegais vindos do Haiti e militares brasileiros em missão de paz naquele país poderiam ter trazido o vírus zika para o Brasil.
O alastramento dessa doença levou, inclusive, algumas prefeituras brasileiras a cancelarem o Carnaval alguns anos atrás.
Quão perigoso é o novo coronavírus?
Ainda que o temor com o coronavírus seja justificado, os especialistas afirmam que, segundo os dados atuais, que ele é menos mortal e contagioso do que outras doenças que circulam no Brasil.
Seu índice de mortalidade é inferior, por exemplo, ao do tipo mais grave da dengue (3,8%) ou da febre amarela silvestre (35%).
Além disso, é quatro vezes menos contagioso do que o sarampo. Uma pessoa com sarampo, por exemplo, pode infectar de 12 a 18 pessoas. No ano passado, 16 mil casos da doença foram registrados no Brasil, principalmente em São Paulo e no Paraná.
Em 2016, o Brasil havia sido declarado livre da doença pela Organização Mundial da Saúde. Especialistas acreditam que o surto, que começou em 2018, está ligado, em grande parte, à desinformação gerada pelo movimento antivacina.
“Temos muitos outros problemas de saúde pública, de doenças infecciosas que são imunopreveníveis, diferente do coronavírus. Mas não necessariamente a população adere à precaução”, conclui Richtmann.
(BBC)