Fim da tomada de três pinos é um retrocesso para o Brasil, dizem ABNT e Abinee
Em 2011, a indústria e os consumidores foram obrigados a adotar um padrão de tomada em instalações comerciais e residenciais de todo o Brasil. Na época, a lei que exigia tomadas com três pinos e plugue hexagonal gerou muita polêmica e resistência, mesmo sob a justificativa de que traria mais segurança à população. Oito anos depois, com a norma já estabelecida no País, o assunto voltou a ganhar holofotes, com a ameaça do Governo Federal colocar um possível fim da tomada de três pinos.
“Seria um retrocesso tremendo para o Brasil”, declara o Conselheiro da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Fabián Yaksic. “Sem contar o prejuízo, que seria de bilhões para indústria, e também para o consumidor, que já tem as instalações prontas. Seria assustador”, lamenta.
Para ele, trazer à tona essa discussão é perder tempo com uma regra já consolidada e segura, apenas por questões políticas, sem que seja levado em consideração o bem estar da sociedade.
Na época em que foi instaurada, a tomada de três pinos , conhecida também como a “ tomada do PT ”, teve o apoio do então ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva que chegou a ter o nome envolvido em um suposto lobby que beneficiaria empresas que lucrariam com a troca do padrão das tomadas.Contudo, tal acusação nunca foi comprovada.
Ao assumir a presidência da República, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) chegou a considerar uma reforma para revogar o uso compulsório da tomada de três pinos. A deputada Joice Hasselmann (PSL) até criou uma votação em seu Twitter para saber se os seguidores apoiariam a medida, e o tema virou piada na internet.
Voltar pra quê?
No entanto, órgãos nacionais e internacionais, como a Comissão Electrotécnica Internacional (IEC, na sigla em inglês), a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a ABNT, não enxergam o assunto como brincadeira.
“Foram mais de 20 anos de discussão e estudos até que o padrão atual se tornasse obrigatório. Especialistas das indústrias e pesquisadores do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) se uniram para elaborar um padrão que fosse mais seguro para a população”, aponta Yaksic.
Apesar de implantada no governo petista, o desejo da criação de um padrão é antigo e começou a ser cogitado nos anos 1980, quando o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) se tornou responsável por certificar a segurança de plugues e tomadas de uso doméstico no Brasil.
Na década seguinte, quando qualquer modelo ainda era aceito no País, a ABNT passou a abrir consultas públicas com fabricantes de plugues, tomadas e eletrodomésticos , institutos de pesquisa, laboratórios e consumidores para definir um único tipo de tomada. E em 2002, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era presidente do Brasil, chegou-se ao consenso dos modelos atuais de dois e três pinos – que só se tornaram realmente obrigatórios em 2011.
“Com mais de 10 anos de implantação, querer rediscutir essa norma seria uma barbaridade porque todas as instalações já estão adaptadas, fábricas tiveram que modificar seus sistemas produtivos para o novo padrão, consumidores investiram em suas residências… ou seja, seria retroceder”, completa o conselheiro da ABNT.
A Abinee também defende que o retorno à situação anterior representa um retrocesso na prevenção de acidentes. A associação reforça que a mudança já foi assimilada pelo consumidor e uma alteração agora traria ônus à população.
“A atual discussão é contraproducente. Isto porque o principal motivo para a implantação do padrão brasileiro foi eliminar a possibilidade de choque elétrico com risco de morte, o funcionamento inseguro com aquecimento e risco de incêndio, e as perdas de energia devido a conexões inseguras”, reitera a entidade.
Além disso, mudança trouxe efeitos positivos. “Entre 2000 e 2010, antes da adoção do padrão, a média anual de acidentes fatais provocados por choques elétricos era de 1,5 mil ocorrências. Hoje (números de 2018), a média é de 600 ocorrências anuais. Com a construção de novos edifícios com padrão brasileiro de plugues e tomadas, o número de acidentes fatais tende a diminuir ainda mais”, garante a Abinee.
Padronização mundial e segurança
Consultado sobre a flexibilização do padrão para plugues e tomadas, o Inmetro ratificou a segurança técnica do padrão brasileiro e ressaltou que não há um padrão único de plugues e tomadas no mundo.
“Mesmo em países muito próximos e que unificaram suas moedas, como os da Comunidade Europeia, não unificaram seus padrões de plugues e tomadas, de tal forma que países como Itália, Alemanha, França, entre outros, possuem padrões diferentes entre si. Suíça e África do Sul adotam padrão igual ao brasileiro. Hoje existe no mundo cerca de uma centena de configurações de padrões diferentes sendo adotados. Neste momento, porém, não há evolução sobre o assunto”, afirmou, em nota.
Por não haver um padrão internacional, atualmente são 110 configurações diferentes de tomadas existentes em todo o mundo, de acordo com o Inmetro. Países como Estados Unidos e Japão adotam modelos diferentes ao brasileiro, enquanto muitas nações europeias utilizam tomadas com três polos, mas com plugues distintos ao modelo brasileiro.
“O terceiro pino nas tomadas e nos plugues tem uma razão de ser, justificada tecnicamente, pela necessidade que alguns aparelhos têm de conexões de aterramento [o chamado “fio terra”]”, informa a Abinee em nota.
A associação explica que a obrigatoriedade em eletrodomésticos, como geladeiras, fogões, ferros de passar roupa e fornos de microondas, deve-se à exigência da Lei no 11.337/2006, alterada pela Lei 12.119/2009, que determina que todas as novas edificações devem possuir sistema de aterramento.
Já os aparelhos com dupla isolação, que não devem ter conexão de aterramento, são conectados com plugue de dois pinos. Entre eles, estão barbeadores, secadores de cabelo, carregadores para telefone celular, etc.
“Além da questão do aterramento, o próprio design da tomada evita o choque elétrico. No modelo antigo de tomada, o choque poderia ocorrer em função do contato acidental com o pino do plugue energizado. Igualmente, o formato da tomada impede que um pino do plugue seja inserido e o outro pino energizado fique para fora, ocasionando, também, o choque elétrico”, afirma a Abinee.
Fonte: iG