Discurso censurado no Forum Mundial da Água, por Raquel Rosenberg
“Muita água corre em pouco lugar/ Quando não/ – e assim geralmente acontece -/ Vem uma gota,/ Forte,/Densa.
E se vaporiza,/ Mal saciando qualquer sede.
Pode ser a cena muda.”
Meu nome é Raquel e gostaria de fazer uma reflexão sobre desigualdade. Esse poema foi escrito pelo meu pai em 1978. Ele foi assassinado dois meses atrás durante um assalto em São Paulo. A desigualdade é causada pela falta de acesso aos recursos naturais e por relações de trabalho desiguais. Em um mundo no qual direitos básicos como acesso à água e saneamento são tratados como privilégios, a falta de acesso a esses recursos são a raiz da desigualdade, e a violência é apenas uma de suas consequências.
Quando eu e meus amigos nos demos conta que decisões globais são tomadas a portas fechadas por poucas pessoas, durante a Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), decidimos criar o Engajamundo. Para ter certeza de que nossas vozes, como jovens, pudessem ser ouvidas por políticos, diplomatas, empresas e influenciadores.
Água é um direito humano estabelecido pela ONU. Uma das principais mensagens trazidas no no Relatório da ONU sobre Água e Emprego é: “O planejamento a longo prazo e o financiamento efetivo para a melhor gestão da água são necessários antes que oportunidades de emprego aprimoradas, crescimento econômico, entre outros benefícios socioeconômicos relacionados possam ser realizados.”
Então, antes de falar sobre empregos sustentáveis para os jovens, precisamos falar sobre direitos humanos básicos.
Sustentabilidade deve ser transversal, e não somente uma área ou pauta em reunião. Os limites do planeta devem ser considerados antes dos aspectos sociais e econômicos!
Vocês devem olhar para toda a cadeia de produção, os arredores, o futuro dos que trabalham em cada setor. O acesso à água deve ser institucionalizado em políticas públicas. Caso contrário, não será realmente sustentável a longo prazo. E o saneamento básico? Não faz parte da mesma cadeia?
Vandana Shiva é uma de minhas maiores inspirações e ela diz que “deixar os sistemas de água, comida, do clima serem destruídos – essa é a estupidez que nos rege hoje.”
A comida que não é feita por nós não é comida de verdade. Ela é modificada para durar mais, para ter uma cor específica, para sobreviver em climas que não são ideias. Tudo isso causa um dano enorme à nossa saúde e quantidades exorbitantes de resíduos.
Nós vivemos em um sistema doente que faz com que tudo o que é custoso para o planeta, como transgênicos, patentes, royalties e combustíveis fósseis, pareça barato para o consumidor!
Como podemos mudar o paradigma realmente e criar uma nova visão de mundo?
Estamos entrando na era do “lowsumerism”, na qual menos é mais. Cada um de nós é parte da solução deste desafio global.
Empresas são feitas de pessoas. Todos os funcionários têm um papel importante nessa nova configuração global. Não é sobre uma pessoa ou líder tomando a responsabilidade para si. Você pode começar em suas atitudes diárias E na área que você trabalha (ou onde quiser)!
A diversidade nos dá força. Precisamos de mais mulheres, mais negros, mais LGBTs, mais indígenas, mais jovens nessa sala e em todos os espaços onde possamos levar nossas vozes!
O Brasil é uma grande prova de diversidade e abundância. Social, cultural e ambiental. Nós temos quase 1/5 das reservas mundiais de água, mas um dos piores índices de distribuição.
Rodrigo, 20, mora no Ceará, uma das regiões mais secas do Brasil. Ele cresceu numa das maiores favelas do nosso país [Pirambu], e viu durante toda sua infância o mar, contaminado com lixo e esgoto, inundar e destruir casas. Hoje, já vivendo em um bairro chamado de melhor, Rodrigo continua tendo acesso à água somente a partir do período da tarde.
Ele decidiu entrar para a rede do Engaja para mudar esta realidade. Desde o ano passado, como parte da co-criação de nossa Campanha da Água, Rodrigo tem conscientizado outros jovens, planejado ações de ativismo relacionadas ao tema e agora está representando sua comunidade no Fórum Mundial da Água. Mas mais do que tudo, ele está trazendo para Brasília sua própria voz, sente que hoje é escutado e se tornou um exemplo para aqueles que viviam próximos a ele.
Rodrigo é só um dos exemplos do impacto do Engaja. Muito mais do que influenciar a política diretamente, nós estamos mudando a visão dos jovens sobre eles mesmos.
Mudar o mundo não é apenas sobre fazer ativismo, mas também sobre trabalhar com as suas próprias mãos.
A discussão sobre empregos de jovens está anos à frente de onde estamos. Enquanto não temos uma visão global que leva em consideração todos os desafios apresentados aqui, nós não chegaremos a lugar nenhum.
Vamos criar uma grande comunidade! Somos todos parte da ‘família Terra’, tudo está ligado. Não estaríamos brigando ou com medo uns dos outros se compartilhássemos um mesmo propósito. Precisamos colaborar! Se nossas relações forem baseadas em empatia e compartilhamento, a colaboração inter sectorial virá à tona e a mudança acontecerá de forma fluida, como a água.
Como meu pai costumava dizer “we are all one” – somos todo um
*Raquel Rosenberg é coordenadora-geral da organização Engajamundo
( Por Ana Carolina Amaral, especial Envolverde)