Organizações sociais apontam caminhos para plano decenal de energia
Redes da sociedade civil organizada encaminharam um documento conjunto, no qual colocam suas contribuições para a versão preliminar do Plano Decenal de Expansão de Energia 2026 (PDE 2026), submetida à consulta pública pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Ministério de Minas e Energia (MME), cujo prazo terminou no dia 27 de agosto.
O principal objetivo é incorporar efetivamente a dimensão socioambiental no planejamento do setor energético brasileiro. A iniciativa é do Grupo de Trabalho de Infraestrutura (GT-Infraestrutura), do Observatório do Clima (OC), da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil (FNPE) – em parceria com o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS) e da Aliança dos Rios da Panamazônia. Estas redes são compostas por organizações não-governamentais e movimentos sociais.
As propostas são divididas em cinco eixos:
– Transparência e participação pública: incorporação da dimensão socioambiental; dos direitos humanos;
– Processos de tomada de decisão e incorporação de critérios de restrição na formação dos portfólios;
– Identificação de cenários de demanda;
– Alternativas para a geração de energia elétrica: energia solar e eólica; termelétrica à biomassa; a não construção de mais nenhuma hidrelétrica na Amazônia; térmicas com combustível fóssil com restrições; quanto à energia nuclear, retirar Angra 3 e quaisquer planos de novas usinas nucleares do planejamento energético;
– Questionamento sobre a expansão petroleira no plano.
Os ambientalistas e especialistas na área energética, que integram o grupo de autores, expõem a relevância do PDE ser objeto de diálogos mais aprofundados com as redes da sociedade civil sobre temas específicos abordados e de forma articulada com o Plano Nacional de Energia (PNE), o componente de energia da NDC brasileira, no âmbito do Acordo de Paris. Como também, interagir com as consultas públicas do MME sobre princípios para a reorganização do setor elétrico (CP 32 de 03/07/2017) e aprimoramento do marco legal do setor elétrico (CP 33 de 05/07/2017).
“A contribuição apresentada já é muito importante por representar um posicionamento conjunto de diversas organizações e redes que discutem o setor energético no Brasil, seja do ponto de vista da resistência aos grandes empreendimentos, seja do ponto de vista da afirmação de alternativas mais responsáveis socioambientalmente. Creio que isso confere um peso especial ao documento e deva ser levado em consideração pelo MME em sua análise”, afirma Joilson Costa, coordenador da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil.
Segundo ele, no conteúdo, o documento é enfático ao afirmar que é necessário que o plano indique ao mercado territórios e regiões onde projetos de energia não devem ser desenvolvidos devido a restrições sociais e/ou ambientais.
“Portanto, com o grau de desenvolvimento tecnológico que temos atualmente, não é aceitável que fontes que gerem menores impactos socioambientais que hidrelétricas e termoelétricas, por exemplo, não sejam devidamente priorizadas e incentivadas no planejamento energético. O discurso (ou a falácia) da modicidade tarifária ou dos entraves técnicos na operação devem ser contrapostos adequadamente pela sociedade.”, diz Costa.
Na avaliação de Munir Soares, coordenador da agenda de energia elétrica do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a construção coletiva do documento fortalece o papel da sociedade nesta agenda. “Propõe que haja uma discussão prévia pelo MME e EPE quanto aos critérios socioambientais, desde a etapa de planejamento, que excluam riscos elevados”.
Segundo Soares, as contribuições também trazem a proposta de maior integração entre demanda e oferta de energia, com princípios de eficiência energética e alternativas de incentivos de redução de consumo, que envolvam grandes consumidores. “Ao mesmo tempo, propõe um avanço do rigor da aplicação dos direitos humanos, com um diálogo mais amplo sobre o componente socioambiental que se expanda, além do MME e EPE, a órgãos importantes nesta agenda, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Fundação Palmares e Ministério do Meio Ambiente (MMA)”, diz.
Sérgio Guimarães, do Instituto Centro de Vida – ICV e coordenador no GT Infraestrutura ressalta os problemas crônicos e os grandes impactos socioambientais das hidrelétricas na Amazônia que estão diretamente relacionados a grandes esquemas de corrupção, como ficou amplamente evidenciado na construção de hidrelétricas como Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, envolvendo empreiteiras, grupos políticos, dirigentes do setor elétrico do governo.
“Esquemas que definiram a ‘necessidade’ de construção de novas hidrelétricas, quando especialistas mostram que a lacuna deixada pela ausência desses projetos pode perfeitamente ser coberta com maior expansão de outras fontes renováveis e exploração do potencial de eficiência energética e gerenciamento da demanda. Não sendo, portanto necessário, viável e aceitável pelas populações locais a construção de nenhuma hidrelétrica adicional na Amazônia”, afirma Guimarães.
Antonia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre e da Aliança dos Povos da Panamazônia, reforça que os movimentos sociais querem ampliar a discussão sobre a descentralização da política energética, pois se trata de uma política pública. “A energia está sendo pensada e direcionada hoje por um pequeno grupo que dá as ordens. Queremos a democratização a respeito da energia no país. As comunidades precisam dizer o que elas querem para viver dignamente e conservar o meio ambiente. Não ter algo imposto de cima para baixo e pelas empresas, a exemplo de Belo Monte. Exigimos que os debates sejam feitos localmente, como também consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas. Chega de megaprojetos e de modelos destrutivos de barragens na Amazônia, queremos que o governo faça investimento em energia de pequena escala principalmente em energia solar nas comunidades distantes”, afirma.
Para Brent Millikan, diretor do Programa Amazônia da International Rivers-Brasil (IR-Brasil), em linhas gerais, o documento destaca como as redes, movimentos e entidades da sociedade civil têm muito a contribuir para melhorar a qualidade do planejamento energético, sobretudo na integração de questões socioambientais. “Esperamos que essa iniciativa tenha desdobramentos concretos, em termos de diálogos mais aprofundados sobre questões especificas que apontamos”, diz. (Envolverde)