Muito além da ponte Salvador-Itaparica
A audiência pública sobre a ponte Salvador-Itaparica, no Hotel Fiesta, fez saltar à vista muitos potenciais da Baia de Todos os Santos, o mais cobiçado patrimônio natural do Estado da Bahia. Observando atentamente o exaustivo Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório (EIA-Rima) apresentado pelos técnicos das empresas V&S e Nemus, mostrando a caracterização do empreendimento, os meios físico, biótico e socioeconômico; oportunidades de desenvolvimento desta baía consagrada a todos os santos por Gonçalo Coelho e Americo Vespúcio quando aqui aportaram, em 1° de novembro de 1501, são tecnicamente reveladas. Contratado para a finalidade ponte, o EIA-Rima revela muitas outras – depende do observador.
A ponte já existe no ambiente virtual: pontesalvadorilhadeitaparica.ba.gov.br, projetada por profissionais altamente qualificados, que já consumiram recursos públicos que beiram os R$ 100 milhões. Se for realmente construída, contudo, precisa adotar padrões internacionalmente aceitos como inovadores para o desenvolvimento urbano. Cidades precisam ser construídas para pessoas, não para carros, mostram os relatórios internacionais do WWI-Worldwatch Institute, salientando que, desde 2008, mais da metade da população da Terra vive em cidades. Os humanos viraram uma “espécie urbana”, cada vez mais imobilizada. No Brasil já somos 84% urbanos e, segundo o IBGE, seremos 90% urbanos em 2020.
Na palestra que fez na Bahia, o arquiteto Enrique Peñalosa, internacionalmente premiado ex-prefeito de Bogotá, mostrou que quando assumiu a prefeitura de Bogotá, uma cidade de 8 milhões de habitantes, não perguntou como a vida poderia melhorar para os 30% que possuíam carros, mas o que poderia ser feito pelos 70% que não tinham automóveis. Em poucos anos transformou a qualidade de vida urbana voltando a sua cidade para pessoas. Desenvolveu um sistema de ônibus de trânsito rápido (BRT), construiu centenas de quilômetros de passeios e ciclovias, plantou 100 mil árvores, envolveu os cidadãos na melhoria de seus bairros e proibiu estacionar carros ao longo das avenidas, reduzindo o trânsito em 40% na hora do rush.
Peñalosa não é voz solitária, cidades estão aumentando a mobilidade urbana ao afastar-se dos automóveis. Jaime Lerner, quando foi prefeito de Curitiba, projetou um sistema de transporte barato e útil aos cidadãos, onde os deslocamentos de ônibus e bicicletas correspondem a 80% de todas as viagens na cidade, voltando a cidade para pessoas, não para carros.
Ponte apenas para carros, com seis pistas de cada lado, como proposto, e corredor para veiculo sobre trilhos a ser “avaliado no futuro” é um erro ser ajustado. Se forem realmente erguidos, a ponte e o seu sistema viário precisam primar pela mobilidade urbana, incluindo o transporte público na modalidade indicada pelos parâmetros internacionais da UITP (International Association of Public Transport- www.uitp.org). Entrar em um veículo sobre trilho, por exemplo, em estação de entroncamento da BR 101 de Santo Antonio de Jesus, passar por Nazaré das Farinhas, Itaparica e atravessar a ponte para conectar com o metrô de Salvador, podendo chegar a Lauro de Freitas e ao aeroporto, é uma opção modal de transporte a ser considerada.
Nos Estados Unidos, onde estatísticas abundam, cada veículo requer cerca de 700 m² de área pavimentada para circular e estacionar. Lá, mais de 7,5 milhões de quilômetros de estradas já foram pavimentados a título de “promoção do desenvolvimento”, o suficiente para dar volta ao redor do Equador 157 vezes. Projetada para facilitar a expansão econômica de Salvador em direção às regiões do entorno da BTS e o Baixo Sul, a ponte também facilitará o tráfego de veículos no sentido inverso, já que a capital é o ponto gravitacional da economia do estado, sediando o governo estadual, concentração de universidades, hospitais, shoppings e uma forte indústria de entretenimento, exercendo mais força centrípeta do que centrífuga. Projetada só para carros, a ponte corre o risco de repetir o caos da Avenida Paralela, com os conhecidos sonoros congestionamentos flutuando sobre a baía.
Numa economia de baixo carbono para a qual estamos sendo empurrados, que exige eficiência energética, uma ponte de 12 km sobre uma baía ensolarada, com ventos e correntes marítimas – se for realmente erguida – será uma usina de energia renovável. Seus pilares são hastes prontas para geradores eólicos e subaquáticos, e sua estrutura pode ser revestida com as novas lâminas de células fotovoltaicas flexíveis, capturando energia limpa do sol, do vento e maremotriz. Os complexos,minuciosos e competentes estudos e planejamentos realizados, especialmente o de impacto ambiental, apontam para o que veem e atingem também o que não conseguem ver, descortinando potenciais para outros investimentos visando o desenvolvimento sustentável desta Baía Sede da Amazônia Azul, novo membro do influente Clube Mais Belas Baías do Mundo, sediado em Paris.
Eduardo Athayde
(Correio)