A era da grosseria on-line
Parece um duelo do Velho Oeste. No lugar da arma, é o dedo no mouse ou na tela do celular. Navegamos pelas redes sociais como se estivéssemos num filme de bangue-bangue. Aguardamos o adversário chegar armado para nos surpreender. Ao sinal de ameaça, “pá!”, ou melhor, “clique!”. Assim, compartilhamos textos esdrúxulos sem ler porque o título é provocativo. Distribuímos fotomontagens malfeitas achando que são imagens reais. Assinamos petições on-line sem saber do que se trata. “É golpe militar? Achei que fosse impeachment.” Quem veste camisa da Seleção Brasileira e vai para a rua é “coxinha”. Quem bate panela em discurso de político é “reaça”. E quem não bate? “Petralha”. Queremos protestar contra os religiosos intolerantes. O que fazemos? Enchemos uma rede social voltada ao público evangélico de filmes pornôs. Destruímos relacionamentos que levaram anos para ser construídos só por causa de um “curtir” ou de um “compartilhar”. E talvez não estejamos nos dando conta disso.
Lá se vai uma década em que as redes sociais passaram a fazer parte de nossas vidas. Em muitos aspectos, elas trouxeram coisas positivas. Sites como Facebook e Twitter aproximaram pessoas que jamais se encontrariam nos tempos off-line. Também serviram de base para novos negócios. Tornaram nosso trabalho mais produtivo (o.k., nem todos os trabalhos). Mas o efeito colateral é evidente a qualquer um que frequente um desses botecos virtuais: estamos diante da “era da grosseria”. Em algum momento dos últimos anos, grupos na internet voltaram a se comportar como uma horda de visigodos com ímpeto para exterminar adversários em potencial. É a era da polarização, do pensamento binário: ou pensas como eu ou te tornas um inimigo. Se é a favor do PSDB, você automaticamente é contra as ciclovias, a favor da redução da maioridade penal e quer o impeachment da presidente. Se simpatiza com o PT, defende a corrupção e o aparelhamento do Estado. Nesse mundo em preto e branco, não há espaço para os tons de cinza.
Esses chatos não são a maioria dos que usam as redes sociais, mas acabam sendo a parcela que mais chama a atenção. São os “idiotas da aldeia”, como descreveu o escritor e filósofo italiano Umberto Ecoao receber o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, no último mês de junho. “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”, disse. “Antes, eles falavam apenas em um bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Agora, têm o mesmo direito à palavra de um prêmio Nobel.”
Muitos criticaram a opinião de Eco. Lembraram que talvez a grande contribuição da internet foi ter dado oportunidade a pessoas comuns de ter o mesmo espaço que um prêmio Nobel. Eco justificou-se, depois das críticas, dizendo que se referia a um pequeno e barulhento grupo de chatos que se sobrepunham à maioria. É importante ressaltar que apenas publicar opiniões não faz das redes um espaço democrático. Democracia também pressupõe o debate de ideias, que não costuma ocorrer no Facebook.
(Época)