Política x Justiça
A polêmica aberta pelas audiências que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo concedeu a advogados das empreiteiras UTC, Odebrecht e Camargo Correia só aconteceu por que elas foram realizadas fora da agenda, e descobertas por jornalistas. A explicação oficial para a falta de registro desses encontros só fez aumentar as suspeitas: atribuiu-se a uma “falha técnica” a ausência de registro, justamente nos dias em que elas aconteceram.
O encontro com o advogado Sérgio Renaud, que já trabalhou com o ex-ministro Marcio Tomás Bastos e hoje está em um escritório que defende o presidente da UTC Ricardo Pessoa, é mais intrigante ainda. Cardozo disse que o encontrou de surpresa em sua antessala, quando levou à porta o advogado Sigmaringa Seixas, que já foi deputado federal pelo PT e é o homem de confiança de Lula para indicações ao STF.
Os dois advogados almoçariam juntos, e combinaram encontrar-se no gabinete do ministro. Não chega a ser normal marcar-se um encontro na antessala de um ministro, a não ser que se queira aproveitar uma brecha para chegar-se a ele. É o que parece que aconteceu.
Todos esses bastidores formam um conjunto suspeito de coincidências que não favorecem o ministro José Eduardo Cardozo, mesmo que ele afirme, com razão, que é seu dever receber advogados. Em condições normais, é claro que é. Mas nessas condições especiais, e num momento em que o processo contra as empreiteiras está sendo investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, quanto mais distante estiver das investigações o ministro da Justiça, melhor para as instituições democráticas.
Tem razão o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de dizer que advogados que queiram se queixar de desvios no processo do petrolão deveriam procurar o Juiz responsável pelo caso, e não o ministro da Justiça, que é uma figura de representação política.
Nesse caso, o ministro Teori Zavascki, relator do processo no STF, seria a pessoa indicada para receber essas queixas. Zavascki já tirou da prisão o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, com o apoio posterior de seus colegas. Ou então o próprio juiz Sérgio Moro, que ontem classificou de “inaceitável” a tentativa de interferência política no caso. O juiz classificou o episódio de “indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política”.
Há indicações de que cresce no Supremo o desconforto dos ministros com a duração da prisão dos empreiteiros acusados no processo, e não será surpresa se nos próximos dias outras decisões os tirarem da cadeia.
Há também informações de que a Corregedoria Geral da União (CGU) está ultimando um acordo de leniência com as empreiteiras, avalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para que elas paguem uma multa milionária e não sejam consideradas impedidas de participarem de obras governamentais.
Alega-se que não é possível parar o país com a declaração de inidoneidade das empreiteiras. Esse mesmo tipo de acordo foi tentado pelas empreiteiras junto ao juiz Sérgio Moro, que comanda o processo em Curitiba, e ao Ministério Público Federal, mas não se chegou a um acordo por que as empreiteiras queriam pagar uma multa menor do que a definida por Moro, e também que seus dirigentes fossem soltos, sem responder a acusações.
Esses encontros do ministro da Justiça, em momento político delicado, não servem à democracia, muito menos quando se prestam a versões nada republicanas. Segundo a revista Veja, o ministro José Eduardo Cardozo teria orientado os advogados a não permitir que o presidente da UTC fizesse o acordo de delação premiada com o Ministério Público, pois os rumos das investigações tomariam novo rumo depois do Carnaval. Não vi nenhum desmentido do ministro quanto a este ponto, que é crucial.
Ele desmente genericamente que tenha conversado com o advogado ligado à UTC sobre a operação Lava Jato, o que também é outra estranheza dessa história toda. E admite que os da Odebrecht encaminharam um documento com reclamações sobre o processo, mas diz que tem que manter em sigilo seu teor, o que também não faz sentido.
O conjunto da obra leva a uma tentativa de melar a Operação Lava Jato, o que seria gravíssimo recuo institucional. Creio, porém, que o processo já chegou a um ponto em que é difícil recuo tão grande, sendo que nos próximos dias o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot apresentará sua denúncia ao Supremo Tribunal Federal, com os nomes dos envolvidos que têm direito a foro privilegiado, políticos com mandatos.
Certamente a sociedade, que já está informada de partes importantes da investigação, não aceitará que ela seja desmontada por manobras de bastidores. Se isso acontecer, só reforçará no cidadão a sensação de que há figuras políticas mais altas tentando embaralhar as investigações. E provocará reações. (Blog do Merval)