O sanduíche de receita misteriosa que caiu no gosto de Obama
Em 2009, pouco antes de tomar posse, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, visitou pela primeira vez o restaurante Ben’s Chili Bowl, uma entidade no chamado corredor da U Street, em Washington. Pouco familiarizado com a culinária local, o então senador por Illinois teria se surpreendido com um item do cardápio, ohalf-smoke.
Logo lhe serviram um e agora ele sabe o que é um half-smoke: um (delicioso) cachorro-quente de salsicha defumada feita de carne bovina e suína.
O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, também faz questão de visitar o Ben’s quando está na capital americana. Mas só Obama, segundo informa uma placa pendurada na parede do restaurante, tem direito a comer e pagar fiado no local.
Nos Estados Unidos, Baltimore é conhecida por seus crab cakes (bolinhos de caranguejo); Nova York, pelo pastrami; Chicago, pela deep pan pizza (de massa grossa, com bastante queijo, assada em uma panela). Washington tem o half-smoke.
O curioso é que ninguém sabe muito bem quem preparou o primeiro half-smoke, nem exatamente o que vai dentro dele. O cachorro-quente pode ser servido coberto de chili (cozido picante com carne moída e feijão), queijo e cebola picada, ou ainda com uma boa dose de mostarda.
Os endereços mais famosos para provar a iguaria são o Ben’s Chili Bowl, que abriu suas portas em 1958, e o Weenie Beenie, na vizinha Arlington, do outro lado do rio Potomac, inaugurado quatro anos antes.
Receita secreta
O crítico gastronômico Nevin Martell, que colabora com o The Washington Post, conta que o interesse dos chefs locais pelo half-smoke é algo recente. “Só nos últimos anos é que eles passaram a incluir o prato em seus cardápios”, afirma.
Também é um mistério como e por que motivo a comida passou a ser associada com a capital americana. “Esse sanduíche é mítico. Ninguém nem sabe por que há esse termo half (“metade”) em seu nome”, diz o açougueiro Nate Anda, da rede de açougues e delicatessens Red Apron, em Washington.
Talvez o nome venha do fato de a salsicha normalmente ser uma mistura com metade de carne bovina e metade de carne suína. Ou porque alguns restaurantes cortam a salsicha ao meio antes de servir. O smoke se deve ao fato de a salsicha ser defumada (smoked, em inglês) antes de ser grelhada.
Mas, como observa Martell, o mistério não fica só no nome: “Ninguém consegue chegar a um acordo sobre os ingredientes de um verdadeiro half-smoke“.
“O problema é que tanto o Ben’s como o Weenie Beenie nunca revelaram suas receitas. Por isso, cada chefe tem sua própria versão do half-smoke“, conta Anda.
Memórias gustativas
Neste exato momento, um garçom coloca uma tábua retangular sobre nossa mesa. Sobre ela, fatias de salsicha amontoadas ao lado de uma pequena tigela com mostarda. Este é o half-smoke do Red Apron, criado por Anda.
Arrisquei-me a garfar uma delas. Nunca havia provado nada igual. A salsicha, um pouco mais branca que o normal, é mantida em conserva, o que a torna complexa e extremamente saborosa.
Percebi nela toques de vinagre de maçã, açúcar e uma pitada de pimenta de Caiena. O gosto me fez lembrar de algo que comi no Vietnã, um país cuja tradição culinária costuma captar o doce, o salgado, o azedo e o apimentado ao mesmo tempo. O half-smoke em conserva do Red Apron conseguiu tudo isso com apenas uma salsicha.
Decidi, junto com Martell, continuar a provar outros half-smokes de Washington. Nossa próxima parada foi o Churchkey, um restaurante na região de Logan Circle que serve uma versãosofisticada da comida caseira.
O half-smoke da casa é uma mistura de 60% de carne suína com 40% bovina, em um pão caseiro com sementes de papoula. A salsicha é recheada com cominho, mostarda em pó e alho picado, depois é defumada e grelhada. Nada de chili. Uma versão simples mas muito gostosa.
Bagunça deliciosa
Mas eu queria provar algo mais tradicional. O que, claro, nos levou ao Ben’s Chili Bowl. Qualquer pessoa que morou em Washington por pelo menos um ano já encerrou sua noitada aqui, comendo o half-smoke que conquistou Obama.
Quando nosso pedido chegou ao balcão, notei imediatamente que a salsicha estava mergulhada em um chili sem feijão e coberta com cebola. Mordi e me decepcionei. Não tinha as nuances que encontrei nos outros dois endereços.
Por isso Martell ainda queria me levar a mais um restaurante. Paramos no DCity Smokehouse, uma pequena churrascaria no bairro de Bloomingdale. O half-smokedaqui é uma bagunça deliciosa: uma salsicha de 12 cm de diâmetro dentro de um pão simples e macio.
O que me chamou a atenção foi a dose generosa de chili feito com peito bovino (conhecido nos Estados Unidos como brisket), com cobertura de mostarda e cebola crua.
O sanduíche tinha um leve sabor apimentado que permanecia na língua. Foi o suficiente para Martell, o crítico gastronômico, decretar: “É assim que se faz umhalf-smoke“.
E assim, tendo provado alguns dos melhores exemplos do prato sensação de Washington, seguimos caminhando por suas ruas, conversando sobre os poderosos políticos que já se renderam à iguaria.
(BBC)