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Alternativa para o sertão

A predominância de rochas cristalinas no subsolo em grande parte do semiárido brasileiro impõe características salobras a muitas das reservas de água subterrânea na região, dificultando ou impedindo seu aproveitamento para consumo humano. Diversas iniciativas buscam alternativas para dessalinizar essas águas, usando variados tipos de filtros. Uma nova membrana semipermeável criada no país pode ajudar e baratear esse processo – além de apresentar potenciais aplicações em outras áreas, como a medicina e a preservação ambiental.
As membranas de nanofiltração, desenvolvidas na Universidade de São Paulo (USP), apresentam uma mistura de polímeros comerciais comuns, como o poliuretano (PU), o policloreto de vinila (PVC) ou o fluoreto de polivinilídeo (PVDF), e moléculas chamadas de cavitandos – cuja estrutura vazada permite o fluxo de outras moléculas menores por seu interior. 
“O tamanho desses canais pode variar entre 7 e 10 angstrons (10-10 m)”, conta o químico Gregóire Jean-François Demets, responsável pelo projeto. A solução é projetada comaerossol sobre discos giratórios de alta velocidade para formar finas membranas. “Criamos camadas muito finas, que podem chegar a apenas 10 mícrons, como se fosse um filme de PVC muito, muito fino.”
A principal aplicação do nanofiltro é a dessalinização da água. “Os cavitandos possuem o tamanho ideal para deixar passar as pequenas moléculas de água e alguns eletrólitos [sais minerais], o que é interessante, pois consumir água destilada, sem minerais, causa diarreia”, explica Demets. “Ao mesmo tempo, não deixam passar vírus, bactérias, fungos ou qualquer outra molécula maior, o que torna a água ótima para o consumo.”
Para ilustrar a capacidade do filtro, o químico destaca um teste em que foi empregadocom sucesso para separar água e tinta de caneta. “Em teoria, acredito que seria possível filtrar até a urina e obter água potável, apesar de nunca termos testado na prática essa hipótese”, avalia. “O filtro promove uma separação em nível molecular; se usássemos esse material para coar café, por exemplo, só obteríamos água no fim do processo.”

Processo diferenciado 

Membranas para dessalinização não são novidade. Produzidas há décadas, a maioria dos filtros usados hoje utiliza diferenças de solubilidade para criar microfuros. “Existem muitas técnicas, mas o processo mais comum cria uma película com um composto de polímero com algum material em que ele é solúvel, como a acetona, e depois mergulha esse composto num meio que solubiliza a acetona, mas não o polímero, que coagula e forma a membrana com microfuros”, conta Demets. “Esse procedimento precisa de dois solventes e de muita precisão para controlar o tamanho dos furos.”
No novo processo, os cavitandos são simplesmente adicionados de modo aleatório à matriz polimérica. “Para passar pelo nanofiltro, as pequenas moléculas precisam passar por dentro dessas estruturas, de ‘tubinho’ em ‘tubinho’, mas existe uma quantidade tão grande delas que o líquido encontra seu caminho”, explica o químico. “É uma técnica mais simples e potencialmente mais econômica, pois não precisa de dois solventes, não envolve duas fases, nem é difícil controlar os furos.”
Até agora, no entanto, o novo processo foi aprovado apenas em testes laboratoriais. “Mostramos que eles funcionam, agora precisamos desenvolver toda a parte de engenharia para que isso efetivamente dê origem a produtos comerciais”, comenta Demets.
“Nos testes, o equipamento apresentou ótimos graus de filtração, semelhante aos dos filtros utilizados atualmente, e acredito que possa ser produzido de forma mais econômica porque estamos iniciando testes compolímeros reciclados, mas ainda é impossível fazer uma estimativa de valor.” O pedido de patente do novo processo já foi depositado pela USP.
(Ciência Hoje)

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