As meninas e os livros
O caminho do progresso tem uma parada obrigatória na educação das meninas. O ensino é a grande estrada que leva ao futuro. E um indicador de avanço de uma sociedade é eliminar a desigualdade de gênero no acesso à educação. Quando Malala estava indo para a escola, mobilizando outras garotas, ela buscava esse progresso. Por isso era tão perigosa para o Talibã.
No Paquistão de Malala existem 57 milhões de mulheres analfabetas. Elas são 60% da população feminina. No Afeganistão, dos talibãs, o analfabetismo aprisiona 87% das mulheres. Na vizinha Índia, potência emergente que se destaca por ter educado uma elite com alto padrão tecnológico, a verdade do país profundo é que existem 292 milhões de mulheres analfabetas. A taxa é de quase 50%.
A menina de 17 anos que apenas queria estudar se agigantou no confronto em que poderia ter perdido a vida. Agarrou-se mais aos livros, entendeu que tinha virado um símbolo e se preparou para isso. O prêmio Nobel que ganhou ontem, em idade tão tenra, confirma valores que a humanidade busca. Ela tem agora a vida inteira para continuar nessa trilha em que já é vitoriosa. Combater o trabalho infantil e defender os direitos das crianças, que é a causa de Kailash Satyarthi, é outra das etapas do desenvolvimento humano em qualquer civilização. O prêmio está bem guardado por essas quatro mãos.
O Brasil tem inúmeros problemas na educação e nenhum brasileiro ignora isso, mas essa barreira nós superamos. As mulheres já ultrapassaram o hiato de desigualdade educacional com os homens. Nos anos 1980 apressaram o passo, na década de 1990 igualaram e depois superaram os homens em ensino. Infelizmente o analfabetismo ainda atinge 16 milhões de pessoas, de ambos os sexos. O fato a comemorar aqui é que o Brasil venceu a desigualdade de gênero na educação.
Quando se educa uma mulher cria-se um círculo virtuoso que vai da redução de número de filhos, aumento de participação no mercado de trabalho, e impacto nas gerações futuras. A escolaridade da mãe é determinante na escolaridade dos filhos. Os pais têm impacto menor, ainda que seja estatístico. O pai de Malala, por exemplo, foi sempre seu inspirador e maior apoiador na caminhada destemida até a escola.
A paquistanesa Malala é filha do seu tempo. Aquele em que a internet pode ser a ferramenta da difusão das boas ideias e da suspensão dos muros da exclusão. Aos 11 anos fez um blog, com a ajuda do pai professor, para incentivar meninas a estudarem. Foi condenada à morte pelo Talibã por ter se atrevido a tanto. É conhecida a história do brutal ataque ao ônibus escolar quando ela tinha 14 anos. Mascarados do Talibã perguntaram quem era Malala e atiraram em seu rosto. Mesmo escapando da morte, foi perseguida e hoje vive na Inglaterra onde, depois de várias operações, reconstituiu o rosto e, durante todo o tempo, manteve uma bravura emocionante.
Outras meninas lutaram e ainda lutam pelo direito à educação que lhes é negado pelas facções religiosas fundamentalistas, pelo preconceito ou pela pobreza. Muitas são vítimas anônimas. Outras são heroínas anônimas. Malala virou o símbolo no qual elas podem se inspirar. Seria uma tragédia para o mundo se os talibãs conseguissem matá-la ou neutralizá-la.
Há países vizinhos que conseguiram erradicar o analfabetismo em geral. No Kirguistão, 99% das mulheres foram alfabetizadas, bem como 99,5% dos homens. Apenas 0,8% da população feminina do Uzbequistão não sabe ler, situação que atinge 0,4% dos homens. No Tajiquistão, a taxa de alfabetizadas está em 99,6%, muito próxima daquela registrada entre os homens, 99,8%.
No caminho da escola, Malala enfrentou a violência extremista, mas continuou. Vitória do futuro.
Por Míriam Leitão e Marcelo Loureiro