Educação dos libertos
Em 19 de abril de 1889, uma Comissão dos Libertos escreve a Rui Barbosa. “Comissionados pelos nossos companheiros libertos de várias fazendas próximas a estação de Paty, município de Vassouras, para obtermos do governo Imperial educação e instrução para os nossos filhos, dirigimo-nos à Vossa Excelência…” E pediam ajuda para conseguir o cumprimento da lei de 1871.
A Lei do Ventre Livre havia estabelecido que os filhos de escravos nasceriam livres e seriam educados. Não foi cumprida a parte da educação. “Nossos filhos foram imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los pela instrução”. Isso dizia a carta ao jurista, definido como “verdadeiro defensor do povo”.
Esse é um dos documentos que a Casa de Rui Barbosa exibe na exposição “Abolição e seus registros na vida privada”. É o terceiro ano que a Casa exibe cartas, documentos dele e de outros acervos familiares sobre essa fase da história. Nos dois primeiros, os textos focavam a escravidão. Nesse, se deslocam para o período abolicionista. E mostra como a abolição foi um processo. “Compreendemos perfeitamente que a libertação partiu do povo que forçou a Coroa e o Parlamento a decretá-la”, diz a Comissão dos Libertos.
Há lá a carta de alforria carimbada, registrada em cartório e assinada por Rui dando liberdade à escrava Lia, que herdara. No belo casarão de Botafogo, onde fica o seu acervo, não havia escravos, só libertos.
A exposição mostra as conspirações pela abolição. Numa carta, amigos paulistas informam que estão fundando um jornal para defender a “causa”. Noutro documento, Rui é consultado sobre uma campanha para libertar as meninas escravas de membros da Loja Maçônica. Há várias versões da Lei do Sexagenário, o Projeto Dantas. Ele era assessor parlamentar e escreve num papelzinho azul: “Esse é o meu projeto”. O texto foi todo modificado e, como diz Ana Pessoa, Diretora do Centro de Memória, recebeu a pressão conservadora para reduzir os direitos dos escravos de 60 anos.
Em 24 de maio de 1888, Maria Leonor Barbosa de Oliveira escreveu à prima Francisca. “Tenho estado bem maçada por causa da tal lei 13 de maio por saber que o priminho perdeu muito com isso; essa gente do poder quer fazer as coisas, mas não sabem fazer; fazem com o prejuízo de muitos. Acho isso mau. Eu faria cá de modo que não prejudicasse; porque as pessoas que tinham escravos, compraram.”
Depois que veio a República, os ex-donos pressionaram pela criação de um banco que os indenizasse. E na exposição está um pedaço da minuta do então ministro da Fazenda Rui Barbosa, de 11 de novembro de 1890, negando: “Mais justo seria e melhor se consultaria o sentimento nacional se se pudesse meio de indenizar os ex-escravos não onerando o Tesouro.”
— A ideia da exposição é trazer esses arquivos pessoais para mostrar como isso foi vivido no âmbito da vida privada — diz Lucia Veloso, chefe do arquivo.
Em outro documento, um cidadão se culpa por ter sido um “palerma” ao não ter vendido os escravos antes da abolição.
O presidente da Casa de Rui Barbosa, Manolo Florentino, lembrou a dimensão do tráfico no país:
— O Brasil faz parte, na sua origem, do maior movimento migratório compulsório da História humana antes do século XIX, que foi o tráfico de escravos para as Américas. São 11 milhões de pessoas que chegaram vivas e cinco milhões vieram para o Brasil. Desses, quatro milhões entraram no século XVIII e XIX, portanto, não há na América país com uma raiz tão afro, nem que a face africana seja tão recente.
Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel
Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel