Titulação de terras quilombolas pode levar mais de 150 anos
Nos últimos 18 anos, 139 comunidades quilombolas receberam título da terra de acordo com o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Há atualmente 1.264 processos em andamento. Seguindo o mesmo ritmo, o trâmite para que todas as ações resultem em titulações levará 163 anos.
Ainda não houve titulações em 2013. Segundo o Incra, elas devem se concentrar no final do ano. Ainda de acordo com o instituto, a judicialização dos processos é um dos fatores que mais atrasa a obtenção dos títulos. Como um título pode ser emitido para uma ou mais comunidades, há 207 beneficiadas em todo o País.
“A titulação da terra é nossa carta de alforria”, afirma Denildo Rodrigues de Moraes, da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq). “É o reconhecimento pleno daqueles povos sobre aquele território. É reconhecer direitos fundamentais e a importância daquele povo na construção deste País.” A questão é regida pelo artigo 68 da Constituição, que estabelece o direito à propriedade e pelo decreto 4887/2003.
Há 2.408 comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente pela Fundação Cultural Palmares. Nos cálculos da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), o número sobe para cerca de cinco mil.
Denilson conta que o processo para obtenção de título é longo e doloroso, por incluir uma fase de autoaceitação de cada comunidade e do enfrentamento de questões territoriais. “Há interesses sobrepostos nesses territórios, ora por parte do Estado, com grandes obras e construções de barragens, gasodutos, hidréletrica, ora por parte de empresas que querem retirar as riquezas dos subsolos, ou por parte da criação de unidades de conservação. Há também casos de fazendeiros e grileiros que continuam dentro do território e com confronto direto com os moradores. Inclusive com casos de morte.”
Celeridade
Para tentar acelerar os processos de titulação, o Incra realiza uma vez por mês, desde agosto deste ano, um encontro para acompanhar, identificar problemas e encaminhar soluções sobre a regularização de territórios quilombolas. A tentativa é acelerar os processos em áreas em que não há conflito. Participam representantes do Incra, do Ministério Públio Federal (MPF) e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e de lideranças quilombolas.
O MPF vai intensificar a atuação neste sentido em todo o País para acelerar a obtenção dos títulos. “Sabemos que há vários processos administrativos parados, sem decisão”, afirma Deborah Duprat, coordenadora do órgão responsável por questões indígenas e comunidades tradicionais no MPF. “Nossa intenção neste movimento nacional é fazer com que avancem à etapa subsequente. Faremos isto por meio de recomendações e, se não surtirem efeito, por meio de ações judiciais.”
Passo a passo
Antes do processo de titulação de terra, as comunidades devem passar pela certificação da Fundação Palmares, baseada na autodeclaração de cada uma delas. Das 2.408 já certificadas, 380 foram reconhecidas oficialmente em 2013, com a emissão de 259 certidões.
Feita a certificação, pode ser aberto o processo no Incra para o reconhecimento do território quilombola. Depois é realizado um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Esta fase engloba uma série de levantamentos fundiários, socioantropológicos e agroambientais, além de cadastros de famílias, entre outras atividades.
Terminada esta fase, o processo fica aberto para possíveis contestações. Em seguida é emitida portaria de reconhecimento do Incra. A próxima etapa é, se necessário, um decreto presidencial que desaproprie o território. De acordo com o Incra, todos os imóveis e as benfeitorias devem ser avaliados e pagos, mediante ação judicial. A última etapa é a emissão do título. Há casos em que o título não é emitido, mas o grupo tem a posse da terra de parte do território repassada pelo Incra. Em 2013, cerca de 30 comunidades foram beneficiadas desta forma.
(IG)