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Fragmentos mais rápidos que balas são desafio à conquista do espaço

Foi uma visão de tirar o fôlego. Os dois propulsores do Falcon Heavy realizaram um pouso vertical sincronizado. Minutos depois, outra imagem inesquecível entraria no imaginário de quem acompanhava o lançamento do foguete mais poderoso do mundo naquele fevereiro de 2018. Um carro esportivo vermelho brilhante orbitava a Terra.

O homem responsável pelo feito, Elon Musk – que está à frente da Tesla, empresa especializada em veículos elétricos, e da SpaceX, de transporte espacial -, foi aclamado por ter tirado do chão a maior espaçonave desde Saturno 5, da Nasa. Mas o carro dividiu opiniões.

Seria ele um símbolo para promover a ciência espacial, uma obra-prima de marketing ou, como o boneco vestido de astronauta que sentava na cadeira do motorista, outro potencialmente perigoso lixo espacial?

Há mais de meio milhão de fragmentos de detritos não muito maiores que uma bolinha de gude “poluindo” a órbita da Terra e mais de 20 mil do tamanho ou maiores que uma bola de tênis.

Entre peças de maior porte há de uma luva de astronauta a espaçonaves “mortas” e bases de lançamento de foguetes fora de uso.

O tamanho, no entanto, nem sempre é a melhor medida do perigo.

À medida que entramos em uma nova corrida espacial, com mais nações como a China e a Índia se juntando aos esforços de exploração do Universo, estaremos despejando mais desses detritos na órbita terrestre.

A próxima geração de cientistas espaciais enfrenta um grande desafio: como garantir que suas espaçonaves sobrevivam a essa crescente produção de lixo.

As pesquisas nessa área procuram manter as agências espaciais um passo à frente desses destroços potencialmente letais, que podem atingir e danificar os veículos espaciais.

“Os detritos orbitais milimétricos representam maior risco de penetração, devido à alta velocidade de impacto para a maioria das naves operacionais em órbita baixa da Terra”, diz Jer Chyi Liou, cientista-chefe da Nasa para detritos espaciais.

Mais rápido que uma bala

Esses minúsculos fragmentos superam em muito o impacto de uma bala em movimento, com velocidades máximas que se aproximam de 48 mil km/h.

No início de fevereiro, em Viena, durante a 55º Encontro do Subcomitê Científico e Técnico para o Uso Pacífico do Espaço, Liou deu detalhes sobre a situação dos detritos espaciais e das operações e pesquisas da agência espacial dos EUA.

Só em 2017, 86 lançamentos ao redor do mundo colocaram mais de 400 espaçonaves em órbita ao redor da Terra.

“A quantidade total de material na órbita da Terra é de mais de 7,6 mil toneladas. Cerca de 23 mil objetos grandes estão sendo rastreados pela Rede de Vigilância Espacial (SSN, na sigla em inglês) do Comando Estratégico dos EUA. Além disso, há dezenas de milhões de detritos pequenos demais para serem rastreados pelo SSN, mas ainda grandes o suficiente para ameaçarem as viagens espaciais tripuladas e as missões com robôs”, fala Liou.

Há também o risco, conhecido como Síndrome de Kessler ou Efeito Kessler, de que uma peça de detrito se rompa e atinja outra, gerando um efeito cascata que pode acabar “poluindo” a órbita de satélites ativos.

O espaço já faz parte da vida cotidiana: das telecomunicações ao monitoramento de desastres, a perda de qualquer satélite é um problema significativo.

Acidentes

A quantidade de detritos espaciais aumentou consideravelmente em 2007, quando a China deliberadamente destruiu seu satélite meteorológico Fengyun-1C como parte de um teste de dispositivo antissatélite.

Dois anos depois, o satélite de comunicação americano Iridium 33 colidiu com a espaçonave russa Cosmos 2251. Ambos os incidentes terão impacto por algum tempo.

No ano passado, a Nasa esteve envolvida em 21 manobras para evitar colisões por espaçonaves não tripuladas. Quatro foram para evitar detritos do Fengyun-1C, duas, para partes resultantes do choque entre Iridium 33-Cosmos 2251.

Mover um objeto para fora do caminho, alterando sua órbita, é um método para evitar uma colisão em potencial, mas a enorme quantidade de detritos requer observação e previsão constantes.

“A Nasa usa uma combinação de radares, telescópios e medições locais para monitorar, mas não rastrear, objetos menores de um milímetro”, diz Liou.

O sensor de detritos espaciais da Nasa orbita a Terra na Estação Espacial Internacional. Ele, um pedaço de um metro quadrado e aproximadamente 20 cm de espessura, foi anexado ao lado externo do módulo Columbus da estação espacial em dezembro de 2017.

O dispositivo detectará pedaços de detritos milimétricos por pelo menos dois anos, fornecendo informações sobre qualquer coisa que o acerte – como tamanho, densidade, velocidade, órbita – e determinará se o objeto impactante é proveniente do espaço ou de um pedaço de detrito espacial produzido pelo homem.

Agarrando o lixo

Como os Estados Unidos são responsáveis por uma em três de todas as peças conhecidas de detritos na órbita baixa da Terra, a Nasa não é a única organização que trabalha com o problema.

Este é um esforço internacional que afeta todos os países que exploram o espaço.

A agência espacial russa, a Roscosmos, inaugurou em 2017 um telescópio russo-brasileiro em Brazópolis, no sul de Minas Gerais, que se dedica ao rastreamento da sucata espacial.

Há também um mercado para iniciativas privadas para monitorar os detritos e vender dados para operadores de satélites. Isso inclui a ExoAnalytic Solutions, a Esa, nos EUA, e a Space Insight, no Reino Unido – esta última opera um sistema de sensores baseado em terra em Chipre.

Na Espanha, o Deimos Sky Survey usa uma rede de telescópios para rastrear objetos próximos à Terra, como asteroides, bem como detritos espaciais. Ele também viu o carro de Elon Musk no espaço.

Mas nem todo pedaço de entulho pode ser tratado para evitar colisões. Em abril, a primeira missão de Remoção de Detritos Ativos na Europa foi lançada de um foguete SpaceX Falcon 9 enviado para reabastecer a Estação Espacial Internacional.

Chamado de REMOVEdebris, o satélite contém dois cubesats (satélites miniaturizados) que liberam detritos espaciais simulados para que ele possa demonstrar várias maneiras de recuperá-los.

Quatro tecnologias-chave serão testadas, diz Guglielmo Aglietti, diretor do Centro Espacial Surrey do Reino Unido, que coordena a missão. Elas incluem um sistema de navegação visual, uma rede e um arpão usado para capturar detritos e o uso de uma vela de órbita para diminuir a velocidade os detritos, para que caiam na atmosfera da Terra.

Usar um arpão no espaço parece algo meio forçado, mas, para agarrar pedaços maiores de detritos, ele pode ser tudo o que é necessário. Para esta missão, o arpão, construído pela Airbus Defence & Space no Reino Unido, é do tamanho de uma caneta.

Se a REMOVEdebris for um sucesso, este será o início de novas missões. “Nós teremos demonstrado que a remoção de detritos espaciais poderá ser feita usando tecnologias de custo relativamente baixo”, diz Aglietti. “E, portanto, esperamos que empreendimentos comerciais possam seguir e realizar a remoção dos detritos que representam maior ameaça.”(G1)

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