Economia

Como o pré-sal poderia ajudar o Brasil a usar menos diesel

Com número recorde de empresas inscritas, mais uma área do pré-sal vai a leilão nesta quinta-feira. A 4ª rodada de partilha de produção colocou quatro campos em oferta, dois na bacia de Santos, dois na bacia de Campos, uma área de cerca de 4,2 mil km², o equivalente a três vezes o tamanho do município de São Paulo.

O aumento do preço do petróleo no mercado internacional e a alta produtividade das reservas brasileiras atraíram 16 petroleiras, entre as quais gigantes como Shell, Statoil e Exxon Mobil.

Um recurso do pré-sal que não é chamariz para essas multinacionais – o gás natural -, contudo, poderia ser aliado importante para o Brasil reduzir a dependência do diesel e aumentar a participação de fontes renováveis em sua matriz energética no médio e longo prazo.

O gás natural está associado ao óleo nas áreas de exploração, dissolvido ou como uma capa sobre os reservatórios. O menos poluente entre os combustíveis fósseis, na Europa e nos Estados Unidos ele vem sendo cada vez mais usado como combustível de caminhões e de navios – neste último caso, como um caminho para que os países cumpram as metas de redução da emissão de gases poluentes pelo transporte marítimo.

No Brasil, o gás natural é usado para consumo doméstico, em setores industriais e nas usinas termelétricas. Ele também poderia ser aproveitado, entretanto, como combustível alternativo para os ônibus nas grandes metrópoles do país e para dar flexibilidade à geração eólica e solar – ou seja, como “backup” para fornecer energia quando essas fontes, que são intermitentes, não estivessem produzindo -, ressaltam especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

Até 2026, justamente por causa da exploração do pré-sal, a oferta de gás natural na malha integrada de gasodutos do país deve crescer quase 40%, de 43 milhões de metros cúbicos por dia para 59 milhões, conforme as estimativas feitas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com base nas reservas já conhecidas.

Apesar do aumento, a diversificação do uso do gás natural enfrenta obstáculos que vão desde a baixa demanda interna, que dificulta a criação de um mercado com preços que atraiam empresas para a exploração do combustível, à falta de infraestrutura de gasodutos para a distribuição.

Caminhões, gás liquefeito e os ‘corredores azuis’
“O desenvolvimento do pré-sal nos conduz a rápidos e materiais excedentes de gás natural”, diz Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP).

“Trata-se de um gás difícil de monetizar, por questões logísticas, mas que representa uma oportunidade real de valorização no mercado doméstico, tornando nossa matriz energética muito mais sustentável e em linha com as demandas globais do século 21”, completa.

O especialista estuda o conceito de “corredores azuis”, rotas para veículos pesados, em expansão na Europa, que garantem autonomia para abastecimento de veículos movidos a GNC, gás natural veicular comprimido, ou GNL, gás liquefeito.

O uso do gás natural como combustível alternativo ganhou fôlego nos últimos dez anos, afirma Adriano Pires, sócio-diretor da Câmara Brasileira de Infraestrutura (CBIE), graças, em parte, à redução nos preços – reflexo, por sua vez, da exploração de gás de xisto (um tipo de gás “não convencional”, que não está atrelado às reservas de petróleo) nos EUA e da ampliação do uso da versão líquida do gás natural, o GNL, que não depende de gasoduto para ser transportado.

O GNL, aliás, vem sendo cada vez mais utilizado em navios, diante da pressão internacional para a fixação de metas mais agressivas pelo transporte marítimo para redução de emissão de gases poluentes.

“O gás natural é visto hoje como um caminho de transição para matrizes energéticas mais limpas, enquanto não se desenvolvem, por exemplo, as baterias que vão armazenar a produção por energia eólica”, ele acrescenta.

Ele não possui enxofre na composição e não gera fuligem quando queima, explica o professor de planejamento energético da Coppe-UFRJ Alexandre Szklo. “Não existe ‘queima limpa’ em combustível fóssil, mas a emissão de poluentes é menor.”

Coleta de lixo e ônibus urbano
Em uma de suas pesquisas, Moutinho, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, simulou a troca de 30 caminhões de coleta de lixo a óleo diesel por GNV na cidade de Sorocaba, em São Paulo. Levando em conta as soluções tecnológicas já disponíveis no país, os resultados sinalizaram uma redução das emissões anuais de CO2 pela frota em 469 toneladas e a diminuição da emissão de poluentes como monóxido de carbono em mais de 95%.

Szklo, da Coppe-UFRJ, também vê potencial para substituição do diesel na frota de ônibus urbano, em áreas em que já exista malha de distribuição de gás, como a região Sudeste. Ele afirma que a alternativa já foi estudada na cidade do Rio de Janeiro, mas não foi para frente porque a mudança para o combustível a gás dificultaria a venda dos veículos no fim do seu ciclo de vida.

Depois de “aposentados”, os ônibus usados para transporte urbano na capital carioca são vendidos para cidades do interior – que, nesse caso, não teriam acesso à rede de distribuição de gás para abastecer.

“A questão do diesel é maior que uma bala de prata”, diz o especialista, que acha difícil que o combustível mais usado no Brasil seja largamente substituído no curto ou médio prazo.

O transporte de carga, por exemplo, movimenta em geral cargas pesadas, grandes volumes de produto com baixo valor agregado, como commodities. A margem de lucro, portanto, é pequena, e menor ainda para os caminhoneiros autônomos, responsáveis por 30% do total do frete. O espaço para investir em caminhões menos poluentes, portanto, é muito mais limitado.

Os navios que saem dos portos do país, por sua vez, também transportam produtos de baixo valor agregado – ou seja, é preciso ter volume para que o frete seja financeiramente rentável. Assim, à medida que os tanques para gás, maiores do que aqueles usados para o diesel, ocupariam espaço que poderia ser da soja ou minério de ferro, esse tipo de alternativa acaba se tornando menos atraente.

“O diesel é a nossa principal matriz energética. O Brasil consome mais diesel do que eletricidade”, destaca Szklo, para ilustrar o tamanho do desafio de reduzir de forma significativa a dependência do combustível que desencadeou a greve de caminhoneiros no último mês de maio.

O gás do pré-sal
De forma geral, parte do gás explorado no subsolo oceânico é reinjetada nos reservatórios, porque facilita a extração de óleo, uma parcela é consumida na plataforma, outra é perdida ou queimada e parte é disponibilizada para consumo.

No pré-sal, uma parcela maior do gás tem sido reinjetada porque faltam rotas de escoamento das plataformas “offshore”, no oceano, para a malha “onshore”, no continente, diz Szklo, da Coppe-UFRJ.

Parte do problema de infraestrutura, dizem Giovani Machado e Marcos Frederico, superintendentes da diretoria de estudos do petróleo, gás e biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), se deve ao custo elevado para construir a rede de gasodutos com centenas de quilômetros que ligaria o mar ao continente.

Nos Estados Unidos e na Europa, como o gás é usado desde a década de 50 e 60 para calefação nas regiões mais frias, a malha de distribuição que passou a ser usada, por exemplo, para abastecer os caminhões, já estava disponível e “amortizada” – ou seja, os investimentos já haviam sido recuperados -, afirmam os especialistas.

Diante da capacidade limitada do setor público de gastar e da incerteza das empresas que exploram os reservatórios em relação à demanda – ou seja, se elas terão para quem vender o gás que eventualmente decidam explorar -, as vencedoras dos leilões do pré-sal têm pouco incentivo para ampliar a rede de distribuição.

“A infraestrutura não anda porque não tem demanda disposta a pagar por esse serviço”, destacam.

Os reservatórios do pré-sal têm uma proporção maior de gás em relação ao óleo do que os demais campos no país – o combustível, contudo, tem teor mais alto de contaminantes, como o CO2, que precisam ser isolados para que o gás seja comercializado.

Para concorrer com o GNL importado e com o gás barato que vem da Bolívia pelo gasoduto de 3,1 mil km inaugurado em 2010, o gás do pré-sal precisa ter um preço bem mais competitivo do que tem hoje, diz Larissa Resende, do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Energia).

Uma das soluções nesse sentido, ela exemplifica, seria a “ancoragem” em projetos de termelétricas a gás – grandes consumidoras, que garantiriam parte da demanda – e a estocagem subterrânea do combustível, para que ele ficasse mais próximo dos centros consumidores e reduzisse o impacto negativo das oscilações de demanda sobre os preços.

Em paralelo, ela acrescenta, o país precisa de mudanças regulatórias e de formulações de política energética voltadas para fomentar o mercado de gás. O chamado “PL do gás”, o projeto de lei 6407, de 2013, está parado no Congresso.

“Essa abundância de gás que a gente tem no pré-sal só vai ser aproveitada, inclusive como energia de transição para construir uma matriz energética mais limpa, se houver mercado. O Brasil corre o risco de perder uma oportunidade.”

O leilão desta quinta-feira
As últimas rodadas de leilões do pré-sal foram realizadas em outubro do ano passado, quatro anos depois da primeira.

Desde 2016, a Petrobras não precisa mais ser operadora única dos campos do pré-sal – uma lei de 2010 previa que a empresa deveria ter participação mínima de 30% na exploração de todos os blocos em operação.

Com a mudança, a estatal passou a ter direito de preferência sobre as áreas ofertadas. Ou seja, ela tem a prerrogativa de decidir antes do leilão se deseja ou não ser operadora e de confirmar esse interesse no dia do certame, caso a oferta vencedora feita pelas empresas que farão parte do consórcio esteja acima de sua capacidade financeira.

Na 4ª rodada, a Petrobras exerceu direito de preferência em três dos quatro campos em oferta – Dois Irmãos, Três Marias e Uirapuru -, com 30% de percentual mínimo de exploração requerido.

As vencedoras do leilão serão aquelas que oferecerem o maior excedente em óleo para a União. O regime, dito de partilha e instituído em 2010, é diferente do aplicado para as demais áreas produtoras de petróleo do país, o de concessão – que seleciona as empresas a partir dos valores de bônus que elas oferecem ao governo.

A 5ª rodada de leilões está prevista para o próximo mês de setembro e a 6ª, para o primeiro semestre de 2019. (BBC)

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