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Insegurança marca transporte aquático de passageiros no Brasil

Há pouco mais de 60 dias, dois naufrágios levaram 41 vidas — 23 no Rio Xingu e 18 no litoral de Salvador. Em um país pouco previdente como o Brasil, e num ambiente de hiperinformação, as tragédias se sucedem com grande velocidade, deixando marcas profundas ao seu redor, mas uma memória tênue na sociedade. Desde agosto, vários episódios trágicos de todos os tipos entraram na pauta de preocupações dos brasileiros e fizeram notícia velha daqueles acidentes, mas ninguém que trafegue pelas hidrovias brasileiras têm certeza se as deficiências de organização do transporte estão a caminho de serem solucionadas.

A exemplo de outros setores, a navegação fluvial e de cabotagem (pela costa) padece de um vácuo que deveria ser ocupado por fiscalização mais rígida e o zelo da parte dos agentes privados com a segurança dos cidadãos, além de pressões dirigidas pela própria comunidade às empresas e órgãos públicos.

Em entrevista logo depois do acidente entre Mar Grande e a orla da capital baiana, uma das sobreviventes, a administradora de condomínios Meire Reis, reclamou das más condições da lancha Cavalo Marinho I, a qual utilizava só quando não havia outro jeito de fazer a travessia para chegar ao trabalho.

— É a pior embarcação que existe. Pra você ter uma ideia, quando ela tá encostada lá, no normal [ancorada], ela já fica toda torta assim — descreveu a administradora, com um gesto de mão, de acordo com vídeo publicado pelo site Correio 24 horas. Segundo Meire,“umas oito a nove pessoas”, desistiram de viajar na manhã do naufrágio quando viram que teriam de embarcar na Cavalo Marinho.

— Eu mesmo ia desistir, mas acabei vindo — declarou, em tom resignado. A sobrevivente denunciou também a inadequação dos equipamentos de emergência. O bote de salvamento no qual ela foi recolhida “estava amarrado a outro bote”. Os náufragos não conseguiram desprendê-los e um ficou por cima do outro. Da mesma forma, os coletes salva-vidas não se encontravam plenamente utilizáveis. Apesar de presentes, haviam, segundo ela, sido presos com nós muito fortes, o que dificultou, ou até impossibilitou, a sua funcionalidade.

De acordo com o mesmo jornal, mesmo depois do desastre, a empresa não demonstrou disposição em adotar a prática das instruções de segurança aos passageiros de sua frota. Isso só ocorreu no dia da volta dos serviços, que ficaram interrompidos por quase uma semana de protestos em Mar Grande, sede do Município de Vera Cruz, localizado na Ilha de Itaparica, bem defronte a Salvador. E mesmo assim, a pedido de um passageiro. No dia seguinte, as instruções já não foram passadas, conforme o site.

A administradora de condomínios diz que sobreviveu em razão de orientações que lhe tinham sido passadas pelo marido na noite anterior ao acidente.

“Eu vi a reportagem [do naufrágio] de Belém e perguntei a meu marido: ‘Se acontecer isso aqui, o que eu devo fazer?’. Ele me ensinou tudo, como me salvar, como respirar, a me afastar das pessoas. Eu tô viva e salva graças a ele” — Meire Reis, administradora de condomínios.

A travessia naquele local, onde há muito recifes de corais, é objeto de desassossego entre os habitantes de Itaparica, nome indígena que remete a pedras. Foi justamente nos recifes que a lancha acabou parando em consequência do naufrágio.Vídeo gravado possivelmente em maio por uma moradora da ilha, e republicado no Facebook por emissora de rádio, mostra o desespero dos passageiros de uma lancha fazendo a mesma travessia. A publicação refere-se à nau como sendo a Cavalo Marinho I.

— Esta é situação que nós, moradores da Ilha de Itaparica, estamos vivendo. A passagem é um absurdo; a segurança é zero — narra a passageira. — Não tem colete [salva-vidas] pra todo mundo. A tripulação, você não vê. Isso aqui foi uma onda que invadiu e imbicou. O desespero é total. Por milagre de Deus, a gente não morre no mar aqui, agora. Em nome do senhor Jesus, nós vamos chegar, mas se não chegarmos, eu vou acabar de publicar na internet — continua a mulher enquanto se ouvem gritos aterrorizados de outros passageiros. A gravação termina com uma mensagem aflita dirigida por ela aos filhos: — Se eu não chegar, eu amo vocês —.

Na Região Amazônica, a preocupação com a segurança também é grande. Pesquisa de satisfação feita em 2015 pela Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (Antaq) apontou as “orientações de procedimento de emergência” como um dos itens mal avaliados (abaixo de 6) por passageiros da região amazônica. — Quanto às orientações de procedimento de emergência, exigência normativa prevista [pela] Resolução nº 912 da Antaq, a baixa avaliação dada a este item pode ser considerado como um indicativo de que as orientações não estão sendo prestadas de maneira satisfatória na visão do usuário — conclui o relatório da agência.Agência Senado

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